terça-feira, 2 de junho de 2015

Dignidade da Pessoa Humana, Vedação do Retrocesso e Entrincheiramento.

Dignidade humana é princípio que fundamenta a República! Seria mais correto dizer que é metanorma (Humberto Ávila) do que direito fundamental, pois ela estrutura toda a República brasileira.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;

Além disso, a Ordem Econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna – art. 170.

O planejamento familiar é fundado na dignidade da pessoa humana - art. 226, §7.

Assegura-se a dignidade das crianças, adolescentes e jovens (art. 227) e das pessoas idosas (art. 230), sendo que é dever da família, sociedade e do Estado protegerem esses grupos.

Dignidade tem previsão também na Declaração Universal de Direitos Humanos (natureza de soft law), nos dois Pactos Internacionais da ONU, na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Convenção Europeia.

É com São Tomás de Aquino que há o reconhecimento da dignidade, como qualidade inerente a todos os seres humanos, que nos separa dos demais objetos e seres. Com Kant, há a separação de que as coisas têm preços e os indivíduos têm dignidade! Logo, para Kant, cada pessoa é um fim em si mesmo, com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio para resultados.

Conceito de André Carvalho Ramos “consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições mínimas de sobrevivência, não importando qualquer outra condição como nacionalidade, orientação sexual, que não a condição de ser humano”.

José Afonso da Silva: “Epicentro axiológico do nosso ordenamento constitucional”.

Tanto nacional quanto internacionalmente, a Dignidade da Pessoa Humana é princípio geral, fundamental (lembrar, na oral, da palavra METANORMA e dizer que é de Humberto Ávila), mas não um direito autônomo.

Dois elementos:
a) Negativo – proibição de impor tratamento ofensivo, degradante ou discriminatório – artigo 5, III e XLI. Dele decorrem mandados de criminalização.
b) positivo – Defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência de cada ser humano.

Dois deveres:
a) dever de respeito – imposição de limites à ação estatal.
b) dever de garantia – ações de promoção da dignidade da pessoa, por meio do fornecimento de condições materiais de existência.

Possíveis usos da dignidade humana – LEMBRAR: CILF

1 – CRIAÇÃO: Fundamentação da criação jurisprudencial de novos direitos – STF reconhece direito à felicidade – Derivação direta: quando o novo direito decorre diretamente da dignidade – Derivação indireta: novo direito vinculado a um direito que decorre da dignidade;

2 – INTERPRETAÇÃO: Interpretação de direitos – STF usou a dignidade para interpretar que o acesso à justiça deve ser célere, pleno e eficaz;

3 – LIMITAÇÃO: eficácia negativa. Ex.: Uso de algemas, uso de tortura.

4 – FUNDAMENTADOR – como mecanismo para solucionar colisão entre direitos fundamentais, já que a dignidade é metanorma. Ex.: STF – investigação paternidade – recusa à realização compulsória de DNA e afastamento da coisa julgada.

Mínimo existencial – conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se pode afirmar que o indivíduo se encontra em situação indigna. Direito à educação, saúde, assistência básica, acesso à Justiça, dentro desta se insere prestação de assistência jurídica gratuita integral, função institucional da Defensoria Pública.

Vedação do retrocessoLEMBRAR – é também chamado de efeito cliquet ou princípio do não retorno da concretização ou proibição do entrincheiramento ou amesquinhamento.

Carvalho Ramos diferencia:
·         Efeito cliquet ou princípio do não retorno – vedação de eliminação de concretização já alcançada;
·         Entrincheiramento – Preservação do mínimo já concretizado, impedindo o retrocesso.

Para o conceito, utilizo um voto do Min. Celso de Mello que melhor resume e pode ser utilizado:

“O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive.
A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados.” (ARE-639337- Relator(a): Min. CELSO DE MELLO).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos contém cláusula que expressamente impede que tratados posteriores sejam “interpretados no sentido de limitar o gozo e exercício de quaisquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de lei de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados” (art. 29, b).

Há diferença entre proibição do retrocesso, que é mais ampla, e proteção contra efeitos retroativos, que proíbe ofensa ao ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido.

3 condições para eventual diminuição na proteção normativa:
1- Justificativa também de estatura constitucional;
2 – Diminuição supere o crivo da proporcionalidade;
3- Seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido.



Vedação do retrocesso político: Utilizado pela Min. Cármen Lúcia no Caso do voto impresso: impede-se que direitos conquistados, como o de garantia de voto secreto pela urna eletrônica, retroceda para dar lugar a modelo ultrapassado, como o voto impresso. Proibição de retrocesso político-constitucional.

Um comentário:

  1. Só lembrando quanto ao "efeito cliquet" (vedação do retrocesso), também conhecido como "efeito catraca" (dá na mesma, terminologia fútil a meu ver), que sempre é citado o seguinte dispositivo do Pacto San José: "Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido". Sob outro prisma, na seara ambiental, assume a feição de vedação de retrocesso ecológico. E só para constar, entendo que o novo Código Florestal implicou justamente nisso: retrocesso ecológico em diversos dispositivos legais (APP, CAR, dispensa de registro, áreas consolidadas, enfim).

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