segunda-feira, 27 de junho de 2016

Post em Colaboração: Força normativa dos fatos no Direito Penal.

Pessoal, o post de hoje foi ideia do meu colega Thiago Pivotto, uma das mentes brilhantes do concurso do TJMT que, felizmente, pude conhecer e ser amigo.

O post será dividido em duas partes. Na primeira, as considerações do Thiago. Após, eu faço as minhas do ótimo texto dele.

Thiago:
Antes de tudo, agradeço o espaço oferecido pelo Colega Vinícius em seu blog (oferecido ou insistentemente solicitado por mim?). Aos leitores, saibam que, entre os amigos de trabalho, o apelido do Vinícius é Barsa (vide aqui), então vocês já podem imaginar a honra de participar deste espaço!

Gostaria de trazer à reflexão um caso julgado pelo STJ em 13 de junho de 2016, especificamente pelo i. Min. Rogério Schietti, que ganhou publicidade em 22/06/2016 a partir de notícia veiculada no próprio sítio daquela Corte (aqui).

O pano de fundo é singelo, mas traz a necessidade de uma reflexão não tão simples.

Consta na notícia que o “réu, reincidente, foi condenado a 18 anos por roubos cometidos com violência. Depois de cumprir as exigências objetivas previstas no artigo 83 do Código Penal, conseguiu o livramento condicional. Atendendo a recurso do MP, o TJSP cassou o benefício e determinou que o homem voltasse a ser preso. 

O TJSP reconheceu que a gravidade dos crimes e o tamanho da pena, por si só, não seriam impedimentos ao benefício, mas considerou que 'a caminhada de todo condenado – do regime fechado à liberdade – deve ser efetuada por etapas'. Para a corte paulista, a prudência não recomenda que um preso em regime fechado passe diretamente para o aberto, menos ainda para o livramento condicional”.

O i. Ministro do STJ, entretanto, entendeu diferente. Para afastar a argumentação do TJSP, houve a invocação das Regras de Mandela, que são regras mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (vide aqui, no sentido de que a reabilitação social e a reintegração das pessoas privadas de liberdade são um dos objetivos do sistema de justiça criminal, conforme Regras 4 e 91 do documento. Aliado a isso, o i. Ministro deixou claro, em sua Decisão, que não pôde “permanecer insensível à situação daquele que, depois de anos segregado da vida em sociedade, convivendo, por seus graves erros, com as mazelas do confinamento, não apenas apresenta bom comportamento carcerário e condições subjetivas reconhecidas em avaliações social e psicológica, mas, ao deixar provisoriamente os limites impostos pelas grades e enfrentar as barreiras impostas para a superação dos deslizes do passado, efetivamente reencontra sua dignidade no seio de sua família e no emprego lícito, com registro em sua carteira de trabalho, buscando, agora, a retidão em sua conduta” (meu grifo).

O caso em muito me lembrou a figura da bagatela imprópria e o precedente que muitos consideram como seu leading case, em que um réu havia cometido crime de roubo com violência presumida e, dada a demora excessiva no trâmite processual, quando de seu julgamento, o sujeito, outrora viciado e autofinanciador de seu vício por intermédio da criminalidade, curou-se, encontrou emprego, constituiu família e não mais reincidiu, passando inclusive a promover palestras para viciados em entorpecentes, alertando sobre seus malefícios.

Como apontei acima, o pano de fundo é singelo, mas traz a necessidade de uma reflexão não tão simples, que é justamente a força normativa dos fatos na seara penal.

O tema – força normativa dos fatos – não é inédito. Georg Jellinek, chega a afirmar que é algo que permite compreender a origem e a existência da ordem jurídica, pois na vida do Estado as relações reais precedem as normas em função delas produzidas – por honra intelectual, vide o voto do i. Min. Eros Grau na ADI 2240. 

A celeuma, entretanto, parece tangenciar muitos “vespeiros”: a superação da norma escrita diante da força do fato concreto superveniente; o malfadado ativismo judicial em sentido amplo; a ausência de parâmetros para a referida superação.

Costuma-se dizer, diante desses problemas, que o ônus é argumentativo. A argumentação que legitima deve levar em consideração, também, a base de todo Sistema, sob pena de, em sendo incongruente, instalar verdadeira erva daninha no piso estrutural do Estado.

O post já está bastante extenso, por isso deixo a sequência para o nosso amigo Barsa! Um abraço.

Vinícius:
Eu concordo que há muito subjetivismo na utilização de determinadas argumentações que não possuem força cogente. No mesmo sentido das Regras de Mandela, os princípios de Yogyakarta, que foram também utilizados pelo Min. Celso de Mello no julgamento da ação sobre direitos homoafetivos.

Como pode o intérprete se utilizar desses fatos e superar a norma penal?

Semana passada tive um caso interessante. Um recuperando no regime fechado já tinha praticado 3 (três) faltas graves quando progredia ao regime semiaberto, de forma que a sua próxima progressão ao semiaberto seria somente no ano de 2018.

Todavia, pelo enunciado 441 da súmula do STJ (a falta grave não interrompe o livramento condicional), ele já teria direito ao livramento condicional desde o ano de 2014 -só que ninguém se atentou a isso antes...

Em minha mente, ao fazer a decisão de livramento condicional, pensei tal qual o MP e o TJSP acima. Parecia-me incongruente. Todavia, decidi por seguir a súmula e deixa-lo em livramento condicional.

Eu acredito, Thiago, que o ônus argumentativo em si pode se tornar uma falácia, a depender de quem dele se utiliza. Muitas vezes esse ônus argumentativo é reduzido a um mero indicar da norma cogente e finda-se a argumentação. 

No caso do STJ, talvez indicar as regras de Mandela possa parecer bonito ao final, mas ruinoso ao se ver que não houve uma argumentação a priori sobre como e de que modo elas podem ser utilizadas em prevalência de outras normas cogentes.

No direito penal, acaso utilizarmos os fatos em detrimento da norma, podemos deixar ainda mais lacunas em um sistema que foi criado para as benditas prevenções da norma penal, tanto específicas quanto gerais. Utilizar fatos para abrandar determinada norma penal, ainda mais em Tribunais em que um simples precedente é transformado em jurisprudência, sem o devido ônus argumentativo, pode enfraquecer a prevenção geral do Direito Penal.

Enfim, acredito que são essas as minhas considerações. Não opto pelo reforço da prevenção geral do Direito Penal em privilégio ao específico, mas acredito que ambos devem ser equilibrados, eis que o sistema assim foi teoricamente elaborado.


Abraços a todos! Postem nos comentários as suas considerações. 

sábado, 18 de junho de 2016

Doações a Refugiados!

  Hey, apesar de este ser um blog jurídico, creio ser importante divulgar a excelente iniciativa da ACNUR (Agência da ONU para refugiados). 

  Trata-se de um sistema de doações bem seguro que permite o redirecionamento do capital para famílias de refugiados que realmente necessitam de coisas básicas, como colchões, água, alimentos etc.

  Como eu sei que aqui tem muito concurseiro, quem doar vai ter pontos bônus espirituais para passar no concurso hahahahaha (sabe aquela capivara concurseira do whatsapp?, quem não doar vai ter o mesmo destino).

  Brincadeiras à parte, o legal é ver quais itens poderão ser comprados com o dinheiro que você doa. 

  Aqui está o link para as doações: https://donate.unhcr.org/br-pt/general


  Abraços a todos! 

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Capacidade postulatória do Delegado de Polícia.

Este tema é espinho e envolve egos institucionais.

Ao estudar alguns temas específicos do Ministério Público, vi que há uma teoria de que a Polícia Judiciária não teria capacidade postulatória para pedir cautelares no processo penal, sendo a legitimidade exclusiva do Ministério Público.

No caso, o MP, em especial a 2ª Câmara Criminal do MPF, seguindo voto do Procurador Regional da República Douglas Fischer, entende que o MP é o único legitimado a pedir cautelares no processo penal perante juízo, eis que ele é o único titular da ação penal, conforme artigo 129 da CRFB.

Veja esta notícia da 2ª CCR, retirada daqui:

  "Em voto complementar, a coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (matéria criminal e controle externo da atividade policial), subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, aderiu a voto do procurador regional da República e membro suplente da 2ª Câmara Douglas Fischer, segundo o qual a legitimidade para postulação de medidas cautelares no processo penal não é da autoridade policial, mas apenas do Ministério Público, titular da ação penal.
O voto nº 1008/2010 foi proferido pelo procurador regional na condição de relator de uma consulta formulada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) a partir de questionamento da Corregedoria-Geral de Polícia Federal Superintendência Regional de Polícia Federal no Tocantins (TO).
Raquel Dodge afirma, em seu voto complementar, que apenas o titular da ação penal, que é o Ministério Público, tem legitimidade para requerer em juízo a restrição de um direito individual que seja necessário para a investigação penal e para garantir a segurança pública.
Ela explica, por exemplo, que somente o Ministério Público pode requerer em juízo a restrição ao direito de liberdade do suspeito que está sendo investigado ou preso em flagrante. Da mesma forma, a restrição ao direito à intimidade do suspeito quanto aos dados bancários, telefônicos ou tributários só pode ser requerida pelo titular da ação penal, que tem legitimidade e capacidade postulatória e atribuição para verificar se a restrição de direito é necessária para a persecução penal ou se a prova já reunida é suficiente para embasar ação penal ou, ainda, se há excludente de culpabilidade que impeça a persecução penal, tornando desnecessária a medida assecuratória.
A coordenadora da 2ª CCR acrescenta, nas palavras de Alonso Gomes Campos Filho, que, quando ocorre uma infração penal, somente os titulares da relação jurídico-material é que tem interesse na lide, ou seja, o infrator da ordem pública e o Estado, que atua por meio do Ministério Público. Portanto, o delegado de polícia não pode requerer nenhuma cautelar em nome do titular da ação penal, uma vez que a legislação não o autoriza.
Feitas essas considerações, adiro ao voto do relator no sentido de que somente o Ministério Público, na ação penal de iniciativa pública, possui legitimidade, capacidade postulatória e atribuição para postulação de medidas assecuratórias no processo penal, conclui Raquel Dodge."

Assim, o Ministério Público defende que só ele possui capacidade postulatória para medidas assecuratórias no processo penal. Logo, se o Delegado de Polícia ajuizar pedido de busca e apreensão, prisão preventiva ou outros, o juízo teria de indeferir por ausência de pressuposto processual.

De outro lado, a ADPF –Associação de Delegados da Polícia Federal sustenta que há de ser aplicado o Enunciado 47, aprovado durante o IV Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, realizado no Espírito Santo em 2014, que diz:

“O Delegado de Polícia Federal tem capacidade postulatória para representar diretamente ao Poder Judiciário pelas medidas cautelares, protetivas e de cooperação internacional necessárias ao exercício de seu mister profissional, independentemente da prévia concordância do órgão acusatório, devendo ter facilitado acesso às autoridades judiciárias competentes por decidir, visando garantir o adequado desenvolvimento da investigação. Em caso de indeferimento e em decorrência da aplicação da teoria dos poderes implícitos, pode o Delegado de Polícia Federal remeter a representação ao órgão jurisdicional revisor, solicitando nova decisão, em respeito ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição”.

Assim, a Polícia Judiciária teria capacidade postulatória decorrente do CPP, bem como da função de “apuração de infrações”, conforme artigo 144, §4º, da CRFB.

Em minha opinião, principalmente em cidades do interior em que o MP não é bem estruturado, o Delegado de Polícia é quem mais promove pedidos de prisão preventiva e buscas e apreensões.

Não tenho dados concretos, mas pela experiência aqui em Colniza, a maioria dos pedidos de busca e apreensão de armas é realizada pelo Delegado de Polícia, o que seria tolhido caso essa tese fosse aceita.

Logo, o impacto social de uma “simples” tese é deveras grande, de forma que temos que pensar se a exclusão de instituições no combate às infrações penais é a melhor maneira.