sexta-feira, 10 de março de 2017

Excludente Gallina

  Conforme havia prometido, vamos falar sobre incidência dos direitos fundamentais nos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.

  Segundo Denise Neves Abade, há três teorias que explicam de que forma incidem os direitos fundamentais nos pleitos cooperacionais:

  1. Teoria do non-inquiry integral;
  2. Teoria do non-inquiry mitigado;
  3. Teoria da incidência direta e imediata.



TEORIA DO NON-INQUIRY INTEGRAL

  Por esta teoria, nega-se qualquer incidência de direitos fundamentais nos temas cooperacionais, ficando o pedido de cooperação restrito às relações diplomáticas entre Estados.

  Essa teoria é também denominada como "teoria da não indagação integral" e foi desenvolvida nos EUA no início do Século XX.
  
  Segundo Denise Neves Abade (livro: Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional), John Marshall foi o precursor dessa teoria, pois proferiu discurso perante a House of Representatives em 1800 e defendeu que o Poder Judiciário não poderia regular conteúdo político.

  Assim, essa doutrina obedece expressamente a Separação dos Poderes, cabendo ao Judiciário somente aplicar os diplomas normativos internacionais envolvidos.


TEORIA DO NON-INQUIRY MITIGADA

  Ainda nos EUA a própria doutrina anterior vem sendo questionada, em especial pelo crescente número de pedidos de cooperação apresentados aos EUA.

  O primeiro passo para a flexibilização da teoria do non-inquiry foi o Caso Gallina vs. Fraser em 1960.

  Por essa excludente Gallina, um pleito cooperacional poderia ser negado se o pedido gerasse um choque de consciência, ou seja, a Constituição Norte-Americana não permitiria que a cooperação penal dos EUA fosse feita em clara violação a direitos fundamentais.

  Para Abade, a ratificação de tratados como a Convenção da ONU contra a Tortura reforçou a suavização da regra do non-inquiry, eis que eles contêm vedações a extradição para países em que o extraditando possa vir a sofrer tortura.

  E no BRASIL? Como possuímos um juízo de delibação pela Lei 6.815, defende-se que aqui vige o non-inquiry moderado.

Para a mesma autora:

"O entendimento majoritário na doutrina brasileira é verdadeira teoria de "não indagação" mitigada, segundo a qual os institutos de cooperação jurídica, por tratarem de relação entre Estados e não entre indivíduos, são atos do Poder Executivo e como tais devem obedecer somente a regras previstas nos tratados ou nas leis brasileiras". 


TEORIA DA INCIDÊNCIA IMEDIATA OU DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

  Por essa posição, as normas de direitos fundamentais vinculam todos os atos do Estado em seu território, inclusive aqueles que são realizados a pedido de outro Estado.

  Ela é fruto da lesão indireta de direitos fundamentais, eis que os órgãos internos podem ser coautores de violações a direitos fundamentais.

  Mas qual seria o parâmetro de medição dos direitos fundamentais envolvidos?

  Há duas correntes que defendem a aplicação imediata dos direitos fundamentais:

  1.   Aplicação imediata de matriz constitucional - também chamada de Garantia do Conteúdo Absoluto de Matriz Constitucional;

  1. Aplicação imediata de matriz internacional - também chamado de Garantia de Conteúdo Mínimo de Matriz Internacional.


segunda-feira, 6 de março de 2017

Palestra na UFMT

Pessoal de Cuiabá que estará aqui no dia 14 de março, darei, junto com meu colega Ricardo Pael, uma palestra sobre Cooperação Internacional e Corrupção na UFMT, às 19h.




Trata-se de evento organizado pelo GEDIP - Grupo de Estudos em Direito Internacional Público da UFMT, coordenado pelo Prof. Pós-Doutor Valerio Mazzuoli.

Apesar de constar como dia 15/03 na imagem, houve uma troca de data entre nós palestrantes.

As inscrições podem ser feitas aqui

Abraços a todos.

:D


As peculiaridades da EXTRADIÇÃO.

  Semana passada tive contato com um caso interessante de extradição aqui na PR/MT.

  No processo extradicional, o MPF pediu a extensão da extradição, excepcionando o princípio da especialidade.

  Tem gente perdida aí com essas definições?

  Então vamos lá.

  A extradição consiste no "ato pelo qual um Estado entrega à justiça repressiva de outro, a pedido deste, indivíduo nesse último processado ou condenado criminalmente e lá refugiado, para que possa aí ser julgado ou cumprir a pena" (Definição de Mazzuoli em seu livro Curso de Direito Internacional Público).

  Esse instituto só é aplicável em caso de prática de infrações penais!

  Assim, mesmo em infrações penais, vige o PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADEsegundo o qual a pessoa não pode ser detida, processada ou condenada em razão de crimes cometidos anteriormente ao pedido extradicional e que não serviram de base para o deferimento da extradição.

  Esse princípio está previsto no artigo 91, inciso I, da Lei do Estrangeiro (lei 6.815):


      Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:
   I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido.


  Ocorre que há exceção a esse princípio, pois tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STF permitem a EXTENSÃO DA EXTRADIÇÃO.

  Veja-se esse julgado do STF:


  "- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir da interpretação da norma inscrita no art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, tem reconhecido a possibilidade jurídica de qualquer Estado estrangeiro requerer a extensão da extradição a delitos que, anteriores ao pedido que a motivou, não foram incluídos na postulação extradicional originariamente deduzida. Precedentes.

- A pessoa extraditada pelo Governo brasileiro não poderá ser processada, presa ou punida pelo Estado estrangeiro a quem foi entregue, desde que o fato delituoso, não obstante cometido antes do pedido de extradição, revele-se diverso daquele que motivou o deferimento da postulação extradicional originária, salvo se o Brasil - apreciando pedido de extensão que lhe foi dirigido -, com este expressamente concordar. Inteligência do art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, que consagra o princípio da especialidade ou do efeito limitativo da extradição.

- O princípio da especialidade - que não se reveste de caráter absoluto - somente atuará como obstáculo jurídico ao atendimento do pedido de extensão extradicional, quando este, formulado com evidente desrespeito ao postulado da boa-fé que deve informar o comportamento dos Estados soberanos em suas recíprocas relações no plano da Sociedade internacional, veicular pretensões estatais eventualmente destituídas de legitimidade.

O postulado da especialidade, precisamente em função das razões de ordem político-jurídica que justificam a sua formulação e previsão em textos normativos, assume inegável sentido tutelar, pois destina-se a proteger, na concreção do seu alcance, o súdito estrangeiro contra a instauração de persecuções penais eventualmente arbitrárias. Convenção Europeia Sobre Extradição (Artigo 14) "
(RTJ 165/447-448, Rel. Min. CELSO DE MELLO).


É possível extraditar sem tratado entre os Estados? Sim, desde que exista promessa de reciprocidade.

Na União Europeia ocorre um instituto que excepciona a aplicação de direito extradicional. Trata-se do “mandado de prisão europeu”.

O mandado de prisão europeu foi criado pelo Decreto 2002/584/JAI, em 13 de junho de 2002.

Por ele, permite-se que as autoridades judiciárias dos países do bloco emitam ordem de prisão contra a pessoa procurada e a transmitam diretamente à autoridade judiciária do Estado requerido, possibilitando a entrega direta da pessoa independentemente de qualquer procedimento administrativo.

Logo, há um novo modelo de cooperação internacional entre os Estados-membros da União Europeia.

Algo semelhante é o instituto da Difusão Vermelha (Red Diffusion) da INTERPOL. Coloca-se determinada pessoa na lista de procurados internacionais.

No Brasil, inexiste entrega direta a Estados terceiros, bem como não se possibilita a entrega direta por estar a pessoa tão só inserida na lista da Interpol.

Aqui, cabível somente a entrega (que se difere da extradição) no caso de submissão de determinada pessoa a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional – TPI.

Condições para a extradição:
·    Existência de processo penal tramitando no Estado requerente;
·    Crime tipificado em ambos os Estados – princípio da identidade ou da dupla incriminação;
·    Crime punível em ambos os Estados – princípio da dupla punibilidade, o que permite o indeferimento do pedido extradicional se o crime estiver prescrito.

Nos pedidos de extradição passiva (Brasil é o solicitado), o governo estrangeiro apresenta seu pedido ao Ministério das Relações Exteriores ou, quando há previsão em tratado, diretamente ao Ministério da Justiça.
Após, o Ministério da Justiça o encaminha, por aviso ministerial, ao STF.
Em caso de urgência, o Estado interessado ou, pela Interpol, pode pedir a prisão cautelar.

Quando existir dois Estados diversos concorrendo em pedidos extradicionais, a doutrina entende que o STF deve seguir o princípio da territorialidade do crime.

Casos de vedação da extradição:
·    Brasileiros natos;
·    Brasileiros naturalizados, salvo cometimento do crime antes da naturalização;
·    Brasileiro naturalizado, salvo comprovado envolvimento no tráfico ilegal de drogas;
·    Crimes políticos;
·    Lei brasileira tiver como pena inferior ou igual a um ano ao crime;
·    Extinção da punibilidade segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
·    Para aplicação de penas de caráter perpétuo ou de morte no Estado requerente – nesse caso, devem ser comutadas aos limites constitucionais brasileiros

Por fim, a súmula 421 do STF:

Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro.






  


Jurisdição Universal

Há a possibilidade de estados implementarem indiretamente o Direito Internacional Penal pela jurisdição universal, pois o Estado seria autorizado a regular e sancionar condutas realizadas fora de seu território para a proteção de valores essenciais da comunidade internacional como um todo.

Logo, há a implementação direta do Direito Internacional Penal pelos Tribunais Penais Internacionais e a implementação indireta pelos Estados, com base na jurisdição universal.

Segundo André de Carvalho Ramos em seu livro “Processo Internacional de Direitos Humanos”, há dois tipos distintos de jurisdição universal:

I.               JURISDIÇÃO UNIVERSAL COMUM OU GROCIANA: Permite que o Estado regule e sancione conduta realizada fora de seu território pelo princípio aut dedere aut punire (dever de entregar ou punir). Os Estados buscam cooperar para impedir a impunidade e a criação de paraísos seguros da criminalidade comum (safe heavens). Essa forma de jurisdição universal está presente em Convenções como: Convenção sobre Substancias Psicotrópicas, Convenção da ONU sobre Crime Organizado Transnacional, Tratado de Extradição do Mercosul e artigo 7º, II, do Código Penal;


II.             JURISDIÇÃO UNIVERSAL ESPECIAL OU QUALIFICADA: Almeja-se impedir que indivíduos, em geral agentes públicos e agindo de acordo com a lei local, violem normas internacionais essenciais, como no CASO PINOCHET. 
Para André de Carvalho Ramos, há dois subtipos de jurisdição universal qualificada:
a)     JURISDIÇÃO UNIVERSAL QUALIFICADA CONDICIONAL (OU IMPERFEITA): Exige-se a presença física do acusado no território do Estado para o início da persecução;
b)    JURISDIÇÃO UNIVERSAL QUALIFICADA ABSOLUTA (OU PERFEITA): É também chamada de JURISDIÇÃO UNIVERSAL IN ABSENTIA, pois permite que ocorra a aplicação extraterritorial da lei nacional penal mesmo que o agente ativo do crime nem esteja no território do Estado.
No Caso Congo vs. Bélgica, a Corte Internacional de Justiça entendeu que não havia um costume internacional que amparasse lei belga de jurisdição universal in absentia, ou seja, sem que o acusado estivesse fisicamente no território belga.
Esse sistema de jurisdição universal qualificada perfeita ou absoluta é utilizado no sistema de “difusão vermelha”(red notice) da Interpol, o que origina uma solicitação de prisão para posterior extradição a todos os Estados membros da INTERPOL.

Por fim, no Brasil há vigência de normas internacionais que permitem a jurisdição universal qualificada, mas condicional: as quatro Convencoes de Genebra de 1949, Convencao ONU contra tortura e o próprio artigo 7, II, a, do Código Penal.

Assim, em todas elas exige-se a presença física do acusado para início da implementação indireta. Logo, O BRASIL NÃO ADOTOU LEIS DE JURISDIÇÃO UNIVERSAL ABSOLUTA!!!