quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Moralidade crítica e positiva.

Na filosofia, em especial nos estudos de teoria constitucional, Sarmento diferencia a moralidade positiva da moralidade crítica.

Moralidade positiva é o conjunto de valores  ou comportamentos de dada sociedade em um determinado momento. A exemplo, a escravidão se inseria na moralidade positiva do Brasil escravocrata.

Já a moralidade crítica consiste no pensamento de dada época, mas que combate a moralidade positiva, ou ao menos reflete sobre os valores, abstraindo da metafísica histórica -há, pois, uma visão sincrônica da moralidade positiva.

Essa distinção permite melhor analisar as teorias de Direito Constitucional e também as de outros ramos jurídicos. 

Por exemplo: na moralidade positiva do Brasil de 1960, a união homoafetiva seria comportamento inaceitável, ao contrário da moralidade positiva do Brasil de 2015. Todavia, quiçá na moralidade crítica esse instituto poderia ter passado incólume, como permitido pelo próprio ordenamento.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Concurso MPF: Teses da PGR

A Procuradoria-Geral da República instituiu uma ferramenta ótima para saber a posição institucional do MPF em alguns casos: a ferramenta Teses da PGR.

Neste link, pode-se ter acesso ao que se assemelha aos informativos do STJ e do STF.

Como exemplo de uma tese muito interessante e que com certeza pode vir na prova do MPF é a sobre a interpretação extensiva do conceito de "raça", para abarcar questões envolvendo a homofobia no crime de preconceito.

Veja a tese 24:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. LEI 7.716/1989. RACISMO. CRIME RESULTANTE DE DISCRIMINAÇÃO. HOMOFOBIA E TRANSFOBIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PARTEM.
Incluem-se entre os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça previstos na Lei 7.716/89 as condutas de discriminação em virtude de orientação sexual, ou seja, atos de homofobia, pois, considerando o conceito histórico de raça e, por consequência, de racismo, a homofobia e a transfobia, como comportamentos discriminatórios, voltados à inferiorização do ser humano simplesmente pela orientação sexual, encontram-se inseridas nesse contexto, não caracterizando violação ao princípio da legalidade em matéria penal, nem mesmo caso de tipificação por meio de analogia in malam partem, mas de interpretação, conforme a Constituição, do conceito de raça, para adequá-lo à realidade brasileira atual, em processo de mutação de conceitos jurídicos. (ADO 26).

E também a tese 55, que diferencia transferência de dados e quebra de dados:


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. SIGILO BANCÁRIO. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO FINANCEIRA. MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE.
É possível o fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuinte, pelas instituições financeiras, diretamente ao fisco, sem prévia autorização judicial, por meio do procedimento previsto no artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, pois não caracteriza violação ao sigilo dos dados, uma vez que a transferência de dados bancários não se confunde com a quebra de sigilo bancário, na medida em que nesta há divulgação de informações, enquanto naquela as informações passadas ao fisco mantêm-se no âmbito do dever legal de guardar sigilo de dados, sob a forma de sigilo fiscal. (RE 601.314)

domingo, 27 de setembro de 2015

Teorias constitucionalistas.

  Abaixo, resumirei algumas teorias constitucionais importantes e que, a partir delas, pode-se melhor entender algumas teorias políticas e as teorias constitucionais.

1. Liberalismo igualitário.
Expoentes: Rawls e Dworkin.
Aduz que não se deve possuir forte compromisso com a liberdade, mas também com a igualdade material. Essa teoria legitima o Estado de Direito em relação às medidas redistributivas. Tem caráter individualista.

2. Comunitarismo.
Expoente: Michael Sandel.
Parte da crítica do liberalismo, eis que entende que as pessoas não são seres desenraizados de suas comunidades. Essa teoria dá relevo aos valores sociais/comunitários. Os comunitaristas aceitam restrições às liberdades individuais em prol de valores socialmente compartilhados.
O comunitarismo é uma das matizes filosóficas do multiculturalismo.
A CRFB/88 possui aberturas ao comunitarismo nos artigos 215 e 216.

3. Libertarianismo.
Expoente: Nozick.
Foca na Economia e na proteção dos direitos patrimoniais. Vincula o Direito ao Estado Mínimo. Logo, o constitucionalismo é visto como mecanismo de defesa das liberdades econômicas e a Justiça tem viés comutativo, e não redistributivo.

4. Republicanismo.
Expoentes: Aristóteles (republicanismo clássico) e Hannah Arendt (republicanismo humanista).
Constitucionalismo voltado à forma republicana, à participação do cidadão na vida política. Dá ênfase nas virtudes republicanas do cidadão.

5. Pragmatismo.
Expoente: Richard Porty.
Voltado ao empirismo, o pragmatismo rejeita concepções metafísicas, tendo como características o anti-fundacionalismo, o contextualismo e o consequencialismo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Teoria do Impacto Desproporcional.

Há uma teoria em Direito Constitucional bem interessante, denominada Teoria do Impacto Desproporcional.

Ela já foi utilizada pelo MPF, especificamente pela Vice-Procuradora-Geral da República Deborah Duprat, na ADI 4424, e, no dizer de Joaquim Barbosa, consiste:

“Toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas”

Essa teoria tem suporte no direito norte-americano (precedente Griggs vs Duke Power Co.), sendo possível a constatação de violação ao princípio da igualdade quando os efeitos práticos de determinadas normas, de caráter aparentemente neutro, causem dano excessivo, ainda que de forma não intencional, aos integrantes de determinados grupos vulneráveis.
No âmbito interamericano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos utilizou essa teoria no Caso Yatama vs. Nicarágua, uma vez que algumas condições de elegibilidade impostas por esse Estado acabaram por afetar diretamente as comunidades indígenas, que não conseguiam representatividade de acordo com as normas eleitorais.

Consigno que tenho aplicado a teoria do impacto desproporcional também contra decisões jurisprudenciais que acabam por violar direitos essenciais. Melhor explicando: Como estou em juizado especial, tenho julgado também ações de dano moral causado a pessoas jurídicas. Ocorre que o STJ é firme de que só cabe dano moral para PJ quando houver dano à sua honra objetiva, devendo a parte lesada provar esse dano.
Todavia, como pode uma microempresa ou uma pessoa jurídica de pequeniníssimo porte provar dano à honra objetiva (reputação)? Ela teria que arcar com pesquisas junto à clientela e outros dispêndios que seriam deveras absurdos frente às violações de seus direitos do consumidor.
Nesses casos, tenho entendido que a jurisprudência acaba por causar um impacto desproporcional às pequenas sociedades empresárias.
Assim justifiquei em sentença publicada ontem:

“No caso, tenho que houve, de fato, violação ao direito da sociedade empresária autora enquanto consumidora, mas a proteção dada pela jurisprudência se restringe à esfera objetiva da pessoa jurídica.
Nesse sentido:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO DE ENERGIA. DANO MORAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO.
1. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral desde que haja ferimento à sua honra objetiva, ao conceito de que goza no meio social.
2. O mero corte no fornecimento de energia elétrica não é, a principio, motivo para condenação da empresa concessionária em danos morais, exigindo-se, para tanto, demonstração do comprometimento da reputação da empresa” (STJ, REsp 1298689 / RS, relator Min. Castro Meira, DJE de 15/04/2013).

Ainda que não seja necessário realizar, neste específico caso, uma superação (overruling) da jurisprudência, é necessário registrar que tal entendimento acaba por gerar um impacto desproporcional[1] às sociedades empresárias consumidoras. Ora, em casos análogos, todavia trocando-se o polo ativo para uma pessoa física, ter-se-ia dano moral configurado, enquanto que, para pessoas jurídicas, exige-se um ônus probatório beirando o diabólico, até porque a comprovação de violação à reputação objetiva importaria em análise de opiniões da clientela e outras pesquisas que importariam enorme dispêndio às pequenas sociedades empresárias –como no caso dos autos, sendo a autora microempresa”.

Enfim, o que acham?
P.s.: Este post teve muito amparo no livro "Jurisprudência internacional de Direitos Humanos", do Caio Paiva e Thimotie Heeman. Indico-o, eis que está sendo um ótimo meio de entender as decisões internacionais. Eu o comprei aqui
Grande abraço. :D



[1] SARMENTO, Daniel; SOUZA, Cláudio Pereira. Direito constitucional. São Paulo: Fórum, 2014.

domingo, 6 de setembro de 2015

R2P e RWP - Direito Humanitário.

  Na matéria de Direito Humanitário, tem-se dois institutos muito importantes.

  R2p - Responsibility to protect - Responsabilidade de proteger.

  Criado a partir de casos como Kosovo, o R2P se refere à responsabilidade que o Estado tem em proteger seus cidadãos. Assim, havendo tanto um conflito armado internacional ou não internacional, o Estado é o responsável primário em proteger os seus civis.
  
  O tema foi levado por Kofi Annan (antigo Secretário Geral das Nações Unidas) no âmbito da ONU. A partir de várias tratativas, a ICSS -International Comission on Intervention and State Sovereignty apresentou, em 2000, o Relatório "Responsibility to protect" na Assembleia Geral da ONU em 2001.
  Ao final, elencou-se dois pontos principais:

  1- A soberania do Estado indica que ele é o responsável primário e principal na proteção de seus cidadãos;

  2- Caso o Estado falhe, ou sua população civil esteja sofrendo danos por guerra, ou se identifique que o Estado não possui interesse na proteção de sua população, o princípio da não intervenção cede espaço à Responsabilidade de Proteção R2P internacional.


  Assim, o R2P envolve 3 tipos de responsabilidade:
  a) Prevenir;
  b) Reagir; e
  c)  Reconstruir.

  Segundo Elert Soares, o princípio já foi invocado pelo CSNU nos casos da região dos Grandes Lagos africanos – República Democrática do Congo e Burundi (S/RES/1653); Líbia (S/RES/1970, S/RES/1973, S/RES/2016 e S/RES/2040); Costa do Marfim (S/RES/1975); Sudão do Sul (S/RES/1996 e S/RES/2109); Iêmen (S/RES/2014); Mali (S/RES/2085 e S/RES/2100) e República Centro-Africana (S/RES/2121 e S/RES/2127). 

  A partir do R2P, começou-se a crítica internacional de que essa doutrina poderia levar países desenvolvidos a intervir em países subdesenvolvidos, como uma espécie de intervenção mascarada (Petróleo??????).

  Assim, a partir de uma proposta brasileira, surgiu o RWP - Responsibility while protecting (responsabilidade ao proteger, ou enquanto se protege), quando intervenções são autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU, deve-se proteger ao máximo os cidadãos de possíveis danos por meio de medidas pacíficas. Vê-se, pois, que o RwP visa a evitar ingerências externas indevidas e sponte propria de Estados sem a autorização do CSONU. 

  Necessário apontar que o Rwp surge no contexto da Guerra da Líbia, tendo sido mencionado no Discurso da Presidente Dilma na abertura da 66ª sessão da Assembleia Geral da ONU.

  Alguns apontam que a preocupação brasileira em mitigar a amplitude do R2P surge do fato de que, ao se ampliar a possibilidade de intervenção para outros bens mundiais (meio ambiente), poder-se-ia surgir o questionamento da possibilidade de intervenção da ONU na Floresta Amazônica, por exemplo.


Acho que consegui reunir os principais elementos das duas teorias. 
Abraço a todos! :D