quarta-feira, 27 de abril de 2016

Brasileiro nato e perda da nacionalidade.

 Um tema muito importante é sobre se o brasileiro nato pode readquirir  a sua nacionalidade como o era anteriormente após ter optado, voluntariamente, por nacionalidade estrangeira.

  A doutrina (Mazzuoli e Portela) era a única que comentava o tema e podíamos encontrar que a pessoa poderia voltar a ser brasileira nata e uns até mesmo diziam naturalizada.

  Recentemente, por uma maioria apertada (3x2), a Primeira Turma do STF entendeu que o brasileiro – ainda que nato – pode perder a nacionalidade brasileira e até ser extraditado, desde que venha a optar, voluntariamente, por nacionalidade estrangeira.

  O caso foi o MS 33.864/DF e PPE nº 694.

  Um argumento contrário apresentado pelo Ministro Marco Aurélio é do que a nacionalidade é indisponível (característica que encontramos em quase todos os livros de direito internacional). Todavia, a maioria da 1ª Turma entendeu que "apenas nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira é que não se aplica a perda a quem adquira outra nacionalidade" (voto do Min. Barroso).

  Para quem estuda para o MPF, sugiro a leitura do parecer apresentado, bem como das notícias apresentadas no site da PGR, que você encontra aqui.

  O parecer do PGR foi no sentido de que ao receber a nacionalidade norte-americana, a cidadã teria perdido, tacitamente, a nacionalidade brasileira, conforme estabelece o artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição.

  O parecer ainda não consegui extrair diretamente do site do STF, mas o site JOTA o disponibilizou aqui. 

  Muito provavelmente esse tema (talvez até mesmo esse processo) irá ao Plenário do STF. Mas acredito que essa decisão já ilumina um pouco o que a doutrina antes debatia sobre o assunto. 

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Prisão, Antecipação da tutela no Direito Penal e releitura dos requisitos da Prisão Preventiva.




Já aviso: Hoje o post vai ser longo.
Demorei para escrever aqui, pois fiz uma pesquisa empírica em Colniza e li muito a respeito para poder escrever sobre esse assunto que acho essencial para quem atua com processo penal: a prisão.
Melhor explicando o que me motivou: Fiz entrevista pessoal e reservada com os 70 presos da Cadeia de Colniza. Verifiquei 10 casos que, em minha visão, a prisão preventiva não tinha os seus requisitos, de forma que a revoguei e concedi a liberdade provisória com algumas cautelares.
Todavia, alguns casos ficaram em um linha bem tênue: O que pode ser chamado de "garantia da ordem pública" ou de "aplicação da lei penal"?
Assim, vou tentar explicar a prisão e suas modalidades, focando na prisão preventiva, bem como registrar a "execução provisória" no Direito Penal. Mas desde já advirto que não vou, nem pretendo, esgotar o tema, mas só nortear uma visão mais crítica para os que estão estudando.
Simbora!

1. DA PRISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO.
Preceitua o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição da República, que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Dessa forma, percebe-se que a regra, no ordenamento pátrio, é de que a prisão deve decorrer de decisão de magistrado competente, devidamente motivada e reduzida a termo, ou em decorrência de flagrante delito, seja por qualquer do povo ou por autoridade policial. Já os incisos seguintes (LXII, LXIII, LXIV e LXV) do mesmo artigo 5º regulam a maneira que deve ser formalizada a prisão.
Cumpre acentuar o que prevê o Pacto San José da Costa, mais especificamente em seu artigo 7º, item 2, que assim dispõe:

Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas

A importância do tratado se dá em função da atribuição dada pelo STF, no RE466343/SP, do caráter supralegal da normas que versam sobre direitos humanos e que não foram aprovados, pelo quórum de 3/5, no Congresso Nacional, conforme prevê o artigo 5º,§ 2º da CF/88.
Dito isso, percebe-se que a prisão é exceção à regra, qual seja, a liberdade do indivíduo, ficando, assim, a cargo da legislação infraconstitucional dispor acerca das condições da aplicação do referido instituto, de modo a regulamentar os casos em que a regra deva ser excepcionada.
Portanto, cumpre destacar o que dispõe o Código de Processo Penal acerca do instituto da prisão, código hierarquicamente inferior ao Pacto de San José.
O Código de Processo Penal reafirmou o caráter excepcional da prisão, vez que basicamente reproduziu o disposto na Carta Política de 88, pois elenca que a prisão será decretada por autoridade judiciária competente, devidamente fundamentada, ou ainda em detrimento de flagrante delito, conforme dispõe o artigo 283 do CPP.
Segundo Pacelli e Fischer, existem cinco modalidades de prisão cautelar no Brasil: prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão decorrente de pronúncia e prisão de sentença condenatória.
Mas essas duas últimas são também cautelares? SIM! Eis que visam a assegurar o resultado de um ato judicial, pois a fase executória do Direito Penal ainda não se iniciou.

2. DA PRISÃO PREVENTIVA.
A prisão preventiva pode ser autônoma (somente durante o processo) ou decorrente de conversão de uma anterior prisão em flagrante.
Não vou aqui ficar repetindo os artigos do CPP sobre a prisão preventiva.
O que quero é realizar uma análise crítica dos seus requisitos.
Primeiro, para decretar a prisão preventiva, o juiz tem que passar pelo artigo 282 do CPP, que menciona o princípio da proporcionalidade no Processo Penal.
Assim, a prisão deve ser adequada e necessária.
Mas adequada com o quê? Necessária a quem ou a quê?
O próprio artigo já correlaciona a necessidade e adequação.
Adequado será para a gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Já a necessidade se atrela à aplicação da lei penal, investigação ou para se evitar a prática de novas infrações penais.
Já nesse ponto, acredito que muitos já linkaram o que disse acima sobre a necessidade com os requisitos da prisão preventiva. Ora, se analisarmos o requisito da “aplicação da lei penal”, a doutrina menciona que a chance de o acusado praticar novas infrações penais já caracterizaria a possibilidade da preventiva.
Para relembrar:
Requisitos Preventiva:
a)              Garantia da ordem pública;
b)             Aplicação da lei penal;
c)              Conveniência da instrução;
d)             Garantia da Ordem Econômica; e
e)              Magnitude da lesão causada, nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional –Lei 7.492

Vou me ater ao comentário dos três primeiros requisitos.
É neles, por serem de amplitude semântica indeterminada, que muitas prisões desnecessárias e inadequadas ocorrem. A prisão de um réu acusado de furto de botijão é adequada para se garantir a ordem pública? A de alguém que estava traficando trinta quilos de pasta base também seria?
Depende.
Imaginemos o caso de o furto ter sido cometido por alguém que, reiteradamente, comete furtos e roubos, sendo este o seu décimo furto. Talvez a garantia da ordem pública não se encontre presente, mas a aplicação da lei penal sim. Já o caso do traficante, tirando a quantidade de drogas que lhe é desfavorável, imaginemos ser ele primário, com moradia e emprego certos e não integrar organização criminosa. Assim, certamente ele será beneficiado pelo tráfico privilegiado e, antevendo a sua pena futura, ele nem mesmo será condenado ao regime fechado.
Assim, o que eu queria explicar nos requisitos da prisão preventiva é o dever de análise em uma visão mais abrangente, não só naquela ladainha de “cometeu crime tem que ficar preso”. A prisão é exceção e tem que ser tratada como tal.
Logo, para se garantir a ordem pública, conceito mais abrangente do que os demais, a doutrina menciona: clamor social, risco de reiteração criminosa, gravidade concreta do crime etc.
Já Pacelli é totalmente contra o clamor, eis que afirma:

“Não nos parece bastante para a determinação da prisão aquilo que se convencionou denominar clamar público, entendido como a repercussão midiática do crime, invariavelmente objeto de leituras tendentes ao sensacionalismo retórico”.
Nos demais, eu vejo que a garantia da ordem pública fica muito difícil de ser comprovada. Para mim, somente em casos de gravidade concreta do crime pelo modo ou maneira ou circunstâncias da execução, assim como risco de cometimento de novos crimes que seria possível abalo à ordem pública.
Já a aplicação da lei penal seria adequada e necessária nos casos em que há possibilidade concreta e efetiva de fuga do investigado.
Nesse campo, em especial em cidades do interior, muitos réus trabalham em fazendas ou distantes do centro urbano. Assim, o risco de que eles fujam é fundamento para a prisão preventiva?
NÃO! Por ser um risco e não uma comprovação de efetiva fuga, a prisão não pode se tornar um modo de o Judiciário conter a pessoa por temer que ela fuga, ainda mais pelo fato de o aparato estatal não conseguir vigiá-la. A ineficiência estatal não pode dar azo à prisão de alguém.
Por fim, a conveniência da instrução penal é realmente um requisito perigoso. O próprio Pacelli critica essa denominação, porque o juízo não é de conveniência, mas de necessidade.
Destarte, se o réu ameaça testemunhas e implica risco concreto à instrução criminal, se destrói provas, vê-se que a sua prisão será necessária à instrução, não apenas conveniente.

3. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PENAL OU EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
A execução antecipada da pena é permitida? A maioria da doutrina e julgados do STF dizia um sonoro NÃO.
Mas então por qual motivo, na fase de execução, detrai-se todo o tempo que o réu ficou preso antes do trânsito em julgado da sentença condenatória?
Simples, pois o fundamento da prisão se transmudou. Antes o que era cautelar se transformou em execução definitiva e deve ser levada em contra para fins de detração.
Ocorre que, durante muito tempo, o STF e STJ eram contra a antecipação da tutela penal.
O MPF vinha desenvolvendo a tese de possibilidade de a fase executória começar após a sentença ser confirmada por um tribunal, não sendo necessário esperar o trânsito em julgado de um recurso extraordinário, por exemplo.
Já em seu livro, ainda em 2014, Pacelli e Douglas Fischer (que são membros do MPF e o Fischer é examinador de processo penal da banca do MPF) lecionavam:

“Pensamos que a previsão legal de imposição de prisão antes do trânsito em julgado poderia autorizar uma interpretação conforme (à Constituição), para o fim de, excepcionalmente, aplicar-se a execução provisória, quando ausentes quaisquer dúvidas a respeito da condenação e da impossibilidade concreta de sua modificação nas instâncias extraordinárias”.

Em minha visão, ficaria difícil aplicar a exceção da execução provisória nos recursos especial e extraordinário, pois os Tribunais teriam que fazer um juízo único e individualizado se o recurso interposto iria ou teria alguma chance de modificar o acórdão confirmatório da sentença condenatória. Se os Tribunais estavam atolados com o juízo de admissibilidade, imagine-se analisar caso a caso se o recurso poderia mudar a condenação...
Todavia, o Supremo, em decisão vanguardista (que desagradou muita gente), foi além ao que a doutrina acima disse. O STF decidiu pela possibilidade de execução provisória da pena, sem exceções.
Veja-se a ementa da decisão proferida no HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016:

“A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”.

Quais são os embates que temos a partir dessa decisão?
Simples: o momento do trânsito em julgado da sentença condenatória e o fato de os recursos extraordinários lato sensu não possuírem efeito suspensivo, a não ser que, em medida cautelar, seja tal efeito a eles conferido.
De um lado, o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição que garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. De outro, uma norma processual que permite a execução provisória por dado recurso não possuir efeito suspensivo.
Claro que tal visão vanguardista do STF se amolda a um neopunitivismo penal, mas também se abarca na visão de que o Direito Penal há de ser efetivo, para não virar mera retórica e os meios de autotutela acabarem por se elevar diante do monopólio estatal.
O clamor social e a possível inefetividade penal embatem com o tecnicismo constitucional e, talvez, um rigorismo de interpretação garantista que podem fazer ruir a própria finalidade do Direito Penal. 
Enfim, acredito que são essas só algumas das particularidades da prisão e da sua possibilidade de execução provisória. Entendo que não podemos simplesmente decorar o julgado do STF e repeti-lo sem uma análise crítica.
É isso. Grande abraço a todos!
:D