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Capacidade postulatória do Delegado de Polícia.

Este tema é espinho e envolve egos institucionais.

Ao estudar alguns temas específicos do Ministério Público, vi que há uma teoria de que a Polícia Judiciária não teria capacidade postulatória para pedir cautelares no processo penal, sendo a legitimidade exclusiva do Ministério Público.

No caso, o MP, em especial a 2ª Câmara Criminal do MPF, seguindo voto do Procurador Regional da República Douglas Fischer, entende que o MP é o único legitimado a pedir cautelares no processo penal perante juízo, eis que ele é o único titular da ação penal, conforme artigo 129 da CRFB.

Veja esta notícia da 2ª CCR, retirada daqui:

  "Em voto complementar, a coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (matéria criminal e controle externo da atividade policial), subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, aderiu a voto do procurador regional da República e membro suplente da 2ª Câmara Douglas Fischer, segundo o qual a legitimidade para postulação de medidas cautelares no processo penal não é da autoridade policial, mas apenas do Ministério Público, titular da ação penal.
O voto nº 1008/2010 foi proferido pelo procurador regional na condição de relator de uma consulta formulada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) a partir de questionamento da Corregedoria-Geral de Polícia Federal Superintendência Regional de Polícia Federal no Tocantins (TO).
Raquel Dodge afirma, em seu voto complementar, que apenas o titular da ação penal, que é o Ministério Público, tem legitimidade para requerer em juízo a restrição de um direito individual que seja necessário para a investigação penal e para garantir a segurança pública.
Ela explica, por exemplo, que somente o Ministério Público pode requerer em juízo a restrição ao direito de liberdade do suspeito que está sendo investigado ou preso em flagrante. Da mesma forma, a restrição ao direito à intimidade do suspeito quanto aos dados bancários, telefônicos ou tributários só pode ser requerida pelo titular da ação penal, que tem legitimidade e capacidade postulatória e atribuição para verificar se a restrição de direito é necessária para a persecução penal ou se a prova já reunida é suficiente para embasar ação penal ou, ainda, se há excludente de culpabilidade que impeça a persecução penal, tornando desnecessária a medida assecuratória.
A coordenadora da 2ª CCR acrescenta, nas palavras de Alonso Gomes Campos Filho, que, quando ocorre uma infração penal, somente os titulares da relação jurídico-material é que tem interesse na lide, ou seja, o infrator da ordem pública e o Estado, que atua por meio do Ministério Público. Portanto, o delegado de polícia não pode requerer nenhuma cautelar em nome do titular da ação penal, uma vez que a legislação não o autoriza.
Feitas essas considerações, adiro ao voto do relator no sentido de que somente o Ministério Público, na ação penal de iniciativa pública, possui legitimidade, capacidade postulatória e atribuição para postulação de medidas assecuratórias no processo penal, conclui Raquel Dodge."

Assim, o Ministério Público defende que só ele possui capacidade postulatória para medidas assecuratórias no processo penal. Logo, se o Delegado de Polícia ajuizar pedido de busca e apreensão, prisão preventiva ou outros, o juízo teria de indeferir por ausência de pressuposto processual.

De outro lado, a ADPF –Associação de Delegados da Polícia Federal sustenta que há de ser aplicado o Enunciado 47, aprovado durante o IV Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, realizado no Espírito Santo em 2014, que diz:

“O Delegado de Polícia Federal tem capacidade postulatória para representar diretamente ao Poder Judiciário pelas medidas cautelares, protetivas e de cooperação internacional necessárias ao exercício de seu mister profissional, independentemente da prévia concordância do órgão acusatório, devendo ter facilitado acesso às autoridades judiciárias competentes por decidir, visando garantir o adequado desenvolvimento da investigação. Em caso de indeferimento e em decorrência da aplicação da teoria dos poderes implícitos, pode o Delegado de Polícia Federal remeter a representação ao órgão jurisdicional revisor, solicitando nova decisão, em respeito ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição”.

Assim, a Polícia Judiciária teria capacidade postulatória decorrente do CPP, bem como da função de “apuração de infrações”, conforme artigo 144, §4º, da CRFB.

Em minha opinião, principalmente em cidades do interior em que o MP não é bem estruturado, o Delegado de Polícia é quem mais promove pedidos de prisão preventiva e buscas e apreensões.

Não tenho dados concretos, mas pela experiência aqui em Colniza, a maioria dos pedidos de busca e apreensão de armas é realizada pelo Delegado de Polícia, o que seria tolhido caso essa tese fosse aceita.

Logo, o impacto social de uma “simples” tese é deveras grande, de forma que temos que pensar se a exclusão de instituições no combate às infrações penais é a melhor maneira.

  

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