terça-feira, 26 de maio de 2015

Quilombolas.

   A primeira pergunta de um concurseiro quando vê o tema quilombolas é: para quê eu tenho que estudar isso? Só eu decorar o termo "autoatribuição" que está suficiente... 

   Então, apesar de ser tema de pouca incidência em concursos, a exceção do concurso do MPF, o tema quilombolas é de fundamental importância.

    Primeiro, pelo fato de as comunidades quilombolas serem totalmente alijadas do processo jurídico-normativo, não constando em seu favor muitas leis ou decisões jurisprudenciais. A exemplo, as comunidades indígenas possuem um Estatuto do Índio, ainda que defesado, enquanto que as comunidades quilombolas têm em seu favor um único Decreto de número 4.887.

   Há exemplos também na própria Constituição: Enquanto as comunidades indígenas têm um capítulo reservado (Capítulo VIII do Título VIII), as comunidades quilombolas são "contempladas" com um único parágrafo no corpo constitucional (parágrafo 5º do artigo 216), somando-se a ele o artigo 68 do ADCT.

   Em números, o Brasil possui atualmente cerca de 3.000 comunidades quilombolas. A maioria delas é totalmente esquecida das políticas públicas. Em meu Estado, Mato Grosso, é comum as comunidades não possuírem infraestruturas mínimas sanitárias.

   Para aqueles que quiserem saber mais sobre a situação atual dos quilombos no Brasil, indico como link inicial este da Fundação Cultural Palmares: http://www.palmares.gov.br/
  
   Em concursos, a temática geralmente envolve os seguintes temas:


Conceitos fundamentais

   O que é quilombo?
   Não é só o local, a terra tradicionalmente ocupada, como também a comunidade, tendo uma dimensão humana.

  Como se caracteriza uma comunidade quilombola?
  Pelo critério da autoatribuição, conforme o artigo 2º do Decreto 4.887. Veja:

Art. 2o  Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
        § 1o  Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

  Quilombo é só comunidade rural?
  Não, é perfeitamente possível comunidades quilombolas em zonas urbanas. A exemplo, a comunidade Quilombo Família Silva em Porto Alegre/RS.

  Na comunidade quilombola só há pessoas negras?
  Não. Inobstante o fato de essas comunidades serem ligadas ao fato histórico da liberdade dos escravos, sendo verdadeiros grupos étnico-raciais, é também possível agregados não negros. 

  Como se realiza o registro de uma comunidade como quilombola?
  Geralmente, a comunidade está associada. Logo, apresenta à Fundação Palmares uma ata de reunião, ou qualquer outro elemento de prova, identificando-se como comunidade quilombola. 
Todavia, é necessário frisar que o STF, em 2008, já reconheceu que a Associação não é condição intransponível para reconhecimento dos direitos.

  A Fundação realiza algum controle sobre o critério de identificação?
  Não, pois ele é atrelado à autoatribuição.

  Esse critério é legal?
  Não só decorre esse critério do caráter multicultural da CRFB, como reconhecedora da cosmologia de culturas existentes no Estado brasileiro, como convencional, presente expressamente na Convenção de número 169 da OIT e na Lei 12.288, também conhecida como Estatuto da Igualdade Racial.
  É também aplicado às comunidades indígenas, também expresso no Estatuto do Índio.

  A propriedade das terras pelas comunidades se dá em qualquer tempo?
  Há grave discussão sobre isso.
  Em primeiro, ressalte-se que o art. 68 do ADCT menciona terras "que estejam ocupando". Logo, há uma situação de tradicionalidade e um fator cronológico.
  Para alguns, o marco da tradicionalidade seria a data da promulgação da Constituição (05/10/88), o que vem sendo aceito pelo STF nos casos de ocupações por comunidades indígenas (Caso Serra Raposa do Sol).
  Para outros, esse entendimento jurisprudencial viola a proteção dos direitos fundamentais das comunidades, eis que nem as formas mais graves de usucapião exigem datas fixas.
  Ressalto que há doutrinadores, como Rothenburg, que entendem que ainda que não seja deferida a propriedade pela via do artigo 68 do ADCT, é necessário observar se a comunidade não adquiriu a área pelas formas de usucapião tradicionais.


Tombamento Constitucional
  Como forma de reconhecer o valor cultural dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, a CRFB/88, em seu artigo 216, §5º, declarou o tombamento de tais bens.
  Confira-se: §5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.


Propriedade das Comunidades sobre as terras que estejam ocupando


  Já no artigo 68 do ADCT, a CRFB declara a propriedade das terras que estejam ocupando aos remanescentes das comunidades dos quilombos.
  Segundo a doutrina, esse artigo é de eficácia plena e imediata, constituindo verdadeiro direito fundamental das citadas comunidades. Logo, além de se aplicar o artigo 5º, §1º (aplicação imediata dos direitos fundamentais, todos os princípios aplicáveis à interpretação dos direitos fundamentais devem ser levados em conta, em especial o do não retrocesso (non cliquet), efeito útil (effet utile), proibição da proteção insuficiente (Untermassverbot) e proibição do excesso (Übermassverbot).

Análise no STF do Decreto 4.887
  O STF está, atualmente, analisando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades dos quilombos. 
 A insurreição do Partido é pelo fato de entender que o mencionado Decreto possui inconstitucionalidade formal, por extrapolar o poder regulamentar e material, por dissertar sobre o critério de autoatribuição, o qual será abaixo exposto.
  Encontra-se empatada a votação: O Relator, Ministro Cezar Peluso, votou a favor da ADIN, enquanto que a Ministra Rosa Weber, em ótimo voto, votou contra, ou seja, pela constitucionalidade do Decreto.

ISENÇÃO DE ITR E IPTU
  O Ministério Público sempre tentou judicialmente o reconhecimento da isenção tributária referente ao ITR incidente sobre as terras das comunidades quilombolas rurais e IPTU sobre as urbanas.
  Recentemente, foi promulgada a Lei 13.043, que alterou a Lei 9.393, a qual disserta sobre o ITR.
  Portanto, há isenção de ITR para as comunidades quilombolas:

 “Art. 3o-A.  Os imóveis rurais oficialmente reconhecidos como áreas ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos que estejam sob a ocupação direta e sejam explorados, individual ou coletivamente, pelos membros destas comunidades são isentos do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR.

No que concerne ao IPTU, ainda não há previsão legal, cabendo tão só obtenção pela via judicial.


Creio que esses são os temas mais relevantes sobre Comunidades Quilombolas. 
Em concursos para Magistratura Federal, bastaria saber os artigos constitucionais. Mas, para a DPU e para o MPF, que atuam em favor dessa minoria, creio ser necessário ler também a Convenção 169 da OIT e o Decreto 4.887, bem como o voto da Ministra Rosa Weber, presente aqui: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3239RW.pdf


Abraço! 


2 comentários:

  1. Excelente dica. Como comecei a me preparar parao o 29 CPR, além do Vitorelli incluirei o julgados e diplomas normativos citados. Obrigado.

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  2. Júnior, que bom que gostou! Eu acho o tema muito interessante, quero muito trabalhar com isso eventualmente. :D

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