terça-feira, 18 de julho de 2017

A VIDA DE PROCURADOR DA REPÚBLICA

A VIDA DE PROCURADOR DA REPÚBLICA.

Bom, o título é bem genérico (telecurso 2000 de como chamar leitores), mas já quero esclarecer que falarei somente sobre a minha rotina e as minhas impressões do MPF e comparativo com o que tive na magistratura estadual.
Peço que não generalizem minhas asserções, pois há colegas do MPF do meu concurso espalhados nos quatro cantos do país, cada um com uma dificuldade peculiar, uma estrutura diversa e uma conquista tão só sua.
Os que estão em regiões de fronteira têm rotinas muito diversas, pois há um número expressivo de audiências, audiências de custódia, processos com réus presos etc.
Na região do noroeste de MT, em que estou lotado (sou lotado em Juína), há graves e cotidianos problemas: problemas ambientais e fundiários; assentamentos rurais federais com irregularidades; trabalho escravo; conflitos urbanos com populações tradicionais, em especial população indígena e instalação de usinas hidrelétricas na bacia do Juruena.
Apesar de ter morado lá e poder dizer que, de fato, é uma cidade calma e com ótimas pessoas, Colniza tem aparecido como infeliz destaque nos noticiários nacionais, em razão da chacina lá ocorrida  (veja aqui ). e de recente trabalho escravo encontrado (uma das vítimas é um senhor idoso  (aqui).
Assim, na minha rotina, essas questões aparecem atreladas à atuação criminal do MPF (trabalho escravo) e atuação macroscópica, enquanto questões fundiárias da região noroeste de MT.
Atualmente, respondo pelo meu ofício, que recebe questões vinculadas a todas as Câmaras do MPF (saiba sobre as CCRs aqui), estou como procurador substituto de um ofício criminal na capital e sou Procurador Regional dos Direitos do Cidadão substituto (olha uma atuação minha aqui). 
Tais atribuições são específicas do MPF. A PRDC é apaixonante, pois lidamos com temas diretamente ligados ao cidadão. E essa atribuição acaba por me lembrar do que eu tinha na magistratura estadual.
Na Justiça Estadual, creio que a atuação é mais ligada diretamente à pessoa e à comarca onde se vive. Temas como guarda, divórcio, adoção, brigas familiares, crimes da justiça estadual parecem-me mais ligados à comunidade local. A decisão que eu dava enquanto juiz repercutia diretamente na vida das pessoas e de forma quase que imediata.
Lembro uma vez que julguei vários processos de aposentadoria, umas 30 sentenças de uma vez só, e fui parado no mercado por uma senhorinha agradecendo a sentença dela (:D).
Não que isso não ocorra no MPF, mas sinto que a atuação na Justiça Federal é mais difusa, para que a sociedade enquanto um todo seja melhorada (na visão de combate à corrupção etc).
Quanto ao trabalho, tenho muito (muito) menos processos em números. Lembro-me que, no último mês em Colniza enquanto juiz estadual, eu tinha conclusos em gabinetes quase 3.000 (três mil) processos. Isso sem contar os quase 8 mil no Cartório.
Atualmente, creio que um valor absurdo para um procurador da República ter em autos extrajudiciais é de 300 autos.
Daí vocês pensam: ah, então a vida é moleza! Mas não é bem assim, minhas caras e meus caros...
Apesar de o número ter reduzido, eu sinceramente creio que trabalho quase que a mesma carga horária que antes.
O que antes eu tinha que fazer de audiências, hoje no MPF tenho de reuniões e audiências juntas.
O Judiciário tem poucas reuniões, enquanto que a atribuição do MPF, em especial a extrajudicial, faz com que ouçamos ONGs, comunidades tradicionais, grupos de direitos humanos, outros órgãos federais constantemente, pois precisamos estar de ouvidos abertos para os problemas que ocorrem agora.
No começo da magistratura, eu quase enlouqueci com o volume de processos a ser julgado.
Lembro-me que, nos primeiros meses, eu dormia muito mal e sonhava só com processos. A cobrança da corregedoria era absurda e beirava o insano, pois desconheciam a estrutura do gabinete e da própria vara. Ligavam até em meu celular pessoal, acreditem...
Apesar de ganhar bem, a minha qualidade de vida no começo era muito ruim, pois eu ainda não conseguia manejar a minha vida pessoal com o trabalho.
Mas há um aspecto importante a ser considerado: eu estava em uma comarca extremamente longe da minha família (apesar de ser no mesmo estado, Colniza fica a 17h de Cuiabá) e esse era meu primeiro cargo público com enormes responsabilidades.
Já no final, passados uns 8 meses desde quando assumi a comarca, eu creio que já conseguia lidar bem com o dia-a-dia e a rotina de julgamentos e audiências. Eram muitos, mas internalizei que eu também teria que ter um limite no trabalho, senão voltaria a ficar ruim e sem minhas noites de sono.
Acredito que esse choque me preparou para o MPF.
Atualmente trabalho com vários casos que possuem uma repercussão estadual bem grande (olha um aqui), há sempre uma pressão por alguns lados, mas ter sido juiz me fez ficar mais confortável com essa rotina de trabalho.
Não acredito na falácia que muitos falam que procurador trabalha pouco, pois todos os que conheço estão assoberbados de trabalho, sempre com alguma questão muito grave a ser resolvida.
Os ofícios criminais que conheci (e o atual que estou substituindo) têm um volume muito grande de rotatividade de processos.
Óbvio que não tenho 3000 judiciais para analisar, mas todos os dias há alegações finais, uma manifestação em processo criminal, um extrajudicial de investigação de um crime grave.
Quanto ao aspecto criminal, nesses meses de MPF vi os seguintes crimes: pedofilia cometida pela internet (em dois processos houve cooperação internacional, sendo um deles com o Canadá); crimes ambientais (artigo 50-A da Lei de Crimes ambientais é o mais frequente); estelionato previdenciário; contrabando de cigarros; corrupção por agentes políticos e crimes contra o sistema de telecomunicações.
Os ofícios criminais abrangem também questões de improbidade administrativa, processos que também são muito recorrentes no dia-a-dia.
Como exemplo da carga de trabalho, em junho analisei 142 processos judiciais e 72 autos extrajudiciais. Acho que julho superará isso, pois tô me sentindo mais cansado e tendo trabalhado bem mais neste mês.
Pesquisei a rotina da uma colega que está em fronteira, e ela analisou 212 autos judiciais, 121 autos extrajudiciais e fez 23 (vinte e três!!!!) audiências, quase uma por dia, o que é muito.
Hoje, neste dia que escrevo este post, terei uma reunião sobre trabalho escravo, uns 5 autos extrajudiciais para analisar em razã0 da correição do MPF mês que vem e uns 4 autos judiciais. Se eu deixar isso para amanhã, acaba por se avolumar ainda mais na minha mesa.
Agora chega de lenga-lenga e vamos aos pontos positivos: o trato do MPF com seus membros.
Lembro-me que, no curso de formação, tivemos aulas com expoentes do MPF: Janot, Douglas Fischer, Luiza Frischeisen, Vitorelli, Lordelo etc. Então uma sensação que me deu aqui no órgão foi: nossa, preciso chegar no nível desse pessoal, preciso melhorar muito em muitas coisas.
Você vê que o MPF incentiva muito que façamos cursos e sempre nos aprimoremos. Eu acho isso muito interessante. Acredito que isso oxigena o órgão e faz com que tenhamos posições vanguardistas.
Há colegas que possuem uma estrutura de ser o único membro em uma PRM, além de ter poucas pessoas em sua assessoria. Na unidade de Juína, somos eu e a Mari como procuradores e, em meu ofício, tenho 2 assessores.
Bom, acho que consegui fazer um plano geral de rotina, carreira e comparativos com a minha experiência anterior.
Caso tenham dúvidas, só deixar nos comentários.
Abracos!



22 comentários:

  1. Muito obrigado, Vinícius.

    Essa publicação foi realmente esclarecedora pra mim e, certamente, servirá para orientar minha escolha.

    Um grande abraço e sucesso no MPF!

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  2. Muito obrigado, Vinícius! Visualizar o futuro trabalho como Procurador ajuda demais nessa etapa de estudos, o relato foi muito interessante!

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    1. De nada. :D Espero que consiga focar bem em seus estudos.

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    2. Ficou uma dúvida Dr. VInicius. Como é a estrutura de trabalho comparada com a que possuía na magistratura estadual?

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    3. Acho que uns 150% melhor. Eu tinha dois excelentes assessores quando era juiz, eles eram realmente guerreiros. Mas a estrutura de sala, estrutura do órgão, relação do órgão com membros, estrutura de biblioteca e eu mesmo tirar dúvidas com outros setores, estrutura administrativa, é muito melhor no MPF.

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    4. Ok.Muito obrigado pela resposta, motiva mais ainda o estudo.

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  3. Com relação a certos cuidados que o Procurador da República tem de tomar na vida pessoal,como por exemplo,evitar certos lugares,é verdade?
    É muito visado ser Procurador da República em um cidade pequena?
    Abraços Rafael.

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    1. Nao acredito nisso. Eu não deixei de frequentar os lugares que eu já ia anteriormente aqui em minha cidade.
      Em cidades pequenas, as pessoas saberão quem voce é tanto como saberão quem é o juiz, o promotor, o delegado... Isso de tomar cuidado é para proteção de nossa vida íntima só. Em Colniza eu tinha a mesma rotina que tinha aqui, ou seja, ia no mercado, em alguma pizzaria e na casa de algum amigo. Mas isso porque eu sou dessa forma. Acho que não precisa se preocupar muito não.

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  4. Excelente, post. Obrigada por compartilhar conosco, Vinícius.

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  5. Vinícius, você pode postar dicas de estudo para a 2a fase para o MPF? Fazer questões, resumir textos, ler doutrinas, revisar materiais? O que acha mais importante? Obrigado!

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  6. Que bom que voltou a atualizar o site.. Confesso que eu estava aguardando faz algum tempo essa postagem. Rs
    Quando falo que estudo pro MPF todo mundo pensa na atuação criminal, mas o que me fez decidir seguir os estudos para o concurso da carreira, sem dúvidas, foi a atuação da PRDC, pra mim, a parte mais linda do MPF. Feliz em saber que você esta como substituto..
    Sucesso!!

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    1. Que legal. De fato, a maioria dos que conheço gosta da atuação criminal. Eu gosto muito da PRDC, apesar de amar também ofício criminal. Voce vai adorar ser PRDC.

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  7. Vinicius, meu amigo, que prazer ler esse relato sobre a rotina do MPF! Fico feliz em saber de sua felicidade e torço muito por você. Um abraço, meu irmão

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    1. Querido amigo! Obrigado pela mensagem. Falta só depois a gente se encontrar para botarmos as conversas em dia. Fica com Deus e um enorme abraço.

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  8. Oi Vinicius. Eu gostaria de saber qual a carga horária de trabalho em relação ao número de processos. Porque não consigo visualizar exatamente quanto você trabalha só sabendo o número de processos. É importante saber exatamente quantas horas por dia um procurador do MPF trabalha para que eu saiba o que me espera e se quero essa carreira.

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    1. Àlec, tudo bem? Em média se trabalha umas 7 horas por dia. Acredito que eu trabalho umas 8h por dia, para evitar fds. Mas isso porque eu substituto gabinete criminal e ainda tenho outras funções administrativas.

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  9. Ola,Vinícius! Existe algum meio de comunicação com você sem ser por meio destes comentários? Tentei pelo e-mail do perfil, mas não funciona... Abraços e aguardo resposta.

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    1. Oi, Deivide, tudo bem? Só me mandar um e-mail: vini003@gmail.com

      Abraços.

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  10. Vinicius, seu relato foi de extrema ajuda, obriqado mesmo. Voce poderia me tirar uma duvida? Ao longo da carreira o procurador pode especializar sua atuacao em uma area, por exemplo indigenas? Ou a carreira exige que haja rodizio de materias e oficios como acontece na diplomacia por exemplo? Obrigado em antecipado

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