sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Eficácia horizontal e diagonal dos direitos humanos.

Na minha prova oral do MPF, a examinadora de Direitos Humanos me indagou a diferença entre eficácia horizontal e diagonal de direitos humanos.

A eficácia horizontal, já bem difundida, relaciona-se à constitucionalização do direito privado, ou, de forma mais clara, à eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas.

Em âmbito doutrinário, há duas correntes sobre o modo com que os direitos fundamentais incidem nas relações privadas. Para a primeira corrente, os direitos fundamentais se aplicam de forma imediata, sem necessidade de determinação legal. Esta é a denominada Teoria da aplicação imediata.

Para a segunda (Teoria da aplicação mediata ou indireta), seria necessária essa intermediação legislativa.

Para Ingo Sarlet:

"De qualquer modo, para além dessas e de outras considerações que aqui poderiam ser tecidas, constata-se que no direito constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que, em princípio, os direitos fundamentais geram uma eficácia direta prima facie na esfera das relações privadas, sem se deixar de reconhecer, todavia, que o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares não é uniforme, reclamando soluções diferenciadas”[1]

Ainda que possamos encontrar essas duas posições acadêmicas, nos EUA também existe a doutrina do State Action, ou da ação estatal. Em resumo, aduz-se que os direitos humanos só se aplicam às ações estatais, com exceção dos particulares que agem como se estivessem no exercício de função pública ou serviço público.

Nas palavras de Bruno Fontenele:

“Pode-se dizer que a State Action Doctrine é uma doutrina norte-americana que afirma que os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição dos Estados Unidos, tais como os previstos na 1ª Emenda [04] e na Emenda 14 [05], somente protegem os cidadãos contra a ação do Estado (State Action) e não se aplicam a relações entre particulares. No entanto, essa doutrina apresenta 02 (duas) exceções, em que podem ser aplicados os direitos fundamentais nas relações entre particulares. A primeira exceção é denominada "public function exception", que trata sobre a possibilidade de se alegar a proteção dos direitos fundamentais numa relação privada quando uma das partes envolvidas estiver no exercício de uma função pública. Já a segunda exceção é chamada de "entanglement exception" e estabelece que se o governo delega uma de suas funções para uma entidade privada, essa entidade será considerada um agente estatal somente em relação às funções delegadas pelo governo.”[2]

No que concerne à eficácia diagonal, esta consiste na aplicabilidade dos direitos humanos nas relações entre particulares, mas que, mesmo sendo particulares, não se encontram em situações parêmias, a exemplo da relação empregado e empregador.

A OIT tem várias convenções que regulam a incidência dos direitos humanos trabalhistas nas relações privadas, de forma que se pode demonstrar a eficácia diagonal dos direitos humanos no plano internacional.

Assim, a eficácia diagonal observa que, mesmo entre particulares, pode haver algum polo da relação jurídica que se encontra menos protegido, de forma que é necessária a incidência de determinados direitos humanos.

:D


[1] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4 ed. Saraiva : São Paulo, 2015, p. 374.
[2] CABRAL, Bruno Fontenele. Artigo retirado daqui: http://jus.com.br/artigos/18416/state-action-doctrine

domingo, 15 de novembro de 2015

Princípio do congelamento do grau hierárquico e princípio do contrarius actus.

Ao ler Canotilho, percebi que ele se refere ao chamado princípio do congelamento do grau hierárquico. De forma simples, significa que uma norma legislativa só pode ser alterada por outra norma legislativa de mesmo grau hierárquico.

Esse pensamento do autor português tem base nos estudos de Kelsen, em razão da estrutura normativa do ordenamento jurídico.

Especificamente no Direito Econômico, ao se envolver o poder normativo das Agências Reguladoras, muito se fala sobre a deslegalização.

A deslegalização é fenômeno que mitiga o princípio do congelamento do grau normativo. Dessa forma, ocorre o descongelamento do grau normativo

Segundo Canotilho:


"Este princípio não impede, rigorosamente, a possibilidade de deslegalização ou de degradação do grau hierárquico. Neste caso, uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por regulamentos. A deslegalização encontra limites constitucionais nas matérias constitucionalmente reservadas à lei. Sempre que exista uma reserva material-constitucional de lei, a lei ou o decreto-lei não poderão limitar-se a entregar aos regulamentos a disciplina jurídica da matéria constitucionalmente reservada à lei."

Assim, como exemplo, pode-se ter uma Lei A que autoriza que determinada matéria B seja regulada por decreto e, ainda mais, inovada no ordenamento por esse decreto. Logo, o Decreto C, com fundamento na Lei A, pode inovar no ordenamento.

Essa Lei A, para García de Enterría, funciona como "contrarius actus". Dessarte, o princípio do contrarius actus, segundo Eduardo García de Enterría:


"Mediante o princípio do contrarius actus, quando uma matéria está regulada por determinada lei se produz o que chamamos de congelamento do grau hierárquico normativo que regula a matéria, de modo que apenas por outra lei contrária poderá ser inovada dita regulação. Uma lei de deslegalização opera como contrarius actus da anterior lei de regulação material, porém, não para inovar diretamente esta regulação, mas para degradar formalmente o grau hierárquico  da mesma de modo que, a partir de então, possa vir a ser regulada por simples regulamentos. Deste modo, simples regulamentos poderão inovar e, portanto, revogar leis formais anteriores, operação que, obviamente, não seria possível se não existisse previamente a lei degradadora".



Portanto, os temas se complementam, uma vez que é comum a existência do contrarius actus ao lado de um prévio descongelamento do grau normativo.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Breve histórico sobre a responsabilidade do Estado.

Na metade do século XIX, a ideia que prevalecia no mundo ocidental era a da irresponsabilidade do monarca (preposto irretocável do Estado). Essa irresponsabilidade estava ligada ao Estado Absolutista e tinha como postulados “o rei não pode fazer mal”, conforme a célebre frase de Louis XIV “L’état c’est moi”, ou seja, “o Estado sou eu”.

Com o início do Estado liberal, esta noção se mitiga, admitindo-se a responsabilidade com culpa do Estado (Teoria da Responsabilidade com culpa), em que se distinguia atos de império e atos de gestão. Esta teoria é ainda aplicada no Direito Internacional em relação à responsabilidade dos Estados.

Após, surge a teoria da culpa administrativa, em que a distinção acima perde espaço e a vítima não precisava identificar o agente estatal causador do dano. Destarte, bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público. Muitos doutrinadores denominaram essa teoria de culpa anônima ou falta do serviço (faute du service, oriunda do Direito Francês).

Atualmente, com o Estado de Direito, a Constituição da República de 1988 adota a teoria da responsabilidade objetiva (artigo 37, §6º), fundada na teoria do risco administrativo. Ocorre que essa teoria é adotada desde a Constituição de 1946 (artigo 194), permanecendo incólume nas Constituições posteriores, como se observa do artigo 105 da Constituição de 1967 e artigo 107, com a Emenda nº 01/1969.

Assim, registro que, desde a Constituição de 1946, um elemento importante que destoa dos demais é o de que a responsabilidade estatal é resultado de ato de agente público que age nessa qualidade.

Por fim, no Código Civil, a responsabilidade civil do Estado está presente no artigo 43: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. O Código Civil de 1916, de forma diversa, impunha que, para a responsabilidade do Estado ocorresse, era necessário que o agente procedesse de forma contrária ao direito ou faltando a dever prescrito em lei (artigo 15), o que, segundo Carvalho Filho[1], era norma que exigia prova da culpa.



[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 558.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Bibliografia e cursos para o MPF

  PASSEI! 

  Finalmente saiu o resultado do MPF (28º CPR) no dia 30 de outubro (sexta passada). Consegui uma boa colocação e tirei dois 100 na prova (civil e processo civil). Todavia, acabei fazendo só o mínimo em penal, matéria que sempre é meu calcanhar de Aquiles.

  Enfim, passada a euforia e muita alegria, alguns amigos e conhecidos têm me perguntado quais livros eu utilizei para o estudo do MPF. Saliento, desde já, que os livros abaixo são do meu estudo de TRF e eu encaixei o MPF quando o edital saiu.

  Outra coisa: é muito raro eu ler um livro inteiro, pois só leio as partes que me interessam ou que tenho deficiência.

  Quanto ao Graal: já li o do 27 e o do 28. Este está bem resumido, pois só o fizemos para a prova oral. É um resumo atualizado do graal do 27. Acredito que o graal não vale tanto a pena, porque ele não ajuda para uma primeira e segunda fase do MPF. Só na oral, que você fica literalmente desesperado, que ele te ajuda a ter uma noção básica. Não utilizei o graal para as primeiras fases, a não ser o de Econômico, que é muito bom.

CONSTITUCIONAL

Sarmento - Direito constitucional;
Pareceres da Deborah Duprat;
Pareceres do PGR de 2015 e 2014 (li todos os relevantes, extraindo-os do site do STF);
Gilmar Mendes - Direito Constitucional -  só li a parte de decisões em controle de constitucionalidade;
Lenza - Constitucional - tudo o mais que for decoreba, como processo legislativo, repartição de competências etc;
Virgílio Afonso da Silva - Direitos fundamentais;
Virgílio Afonso - artigo sobre reserva legal e direitos fundamentais - aqui (foi questão objetiva do 28CPR);
Artigo do Barroso sobre medicamentos, que é facilmente encontrado aqui;
Sobre direitos fundamentais, li o André de Carvalho Ramos as teorias de colisão, interna, externa etc. Nessa parte, ele aprofunda no livro Teoria dos Direitos Humanos.
A parte de hermenêutica que é difícil no Edital é facilmente encontrada no livro do Sarmento. O que eu não encontrava, eu buscava no google, para ler alguns artigos específicos, a exemplo da ação comunicativa de Habermas, papel das pré-compreensões...
Comunidades tradicionais: Eu li o Estatuto do índio do Vitorelli e o de Quilombolas. Muito bons para compreender essa temática.

Hoje eu fui na livraria e comprei o livro de Constitucional do Sarlet, Marinoni e Mitidiero. Vou ler depois e falo aqui se ele é bom ou não.
Atualização (13/02/2016): Li o livro e é um bom livro. Em algumas partes peca pelo excesso, prolongando-se em assuntos já batidos. Mas a parte de direitos fundamentais ficou ótima, muito mesmo.
Para o concurso do MPF, entendo que o livro do Virgílio Afonso da Silva basta, pois é até utilizado pela examinadora Deborah.

CIVIL

Para civil, sempre estudei o manual único do Tartuce e li muita jurisprudência do STJ (parece que a examinadora Sandra tira mais questões das decisões do STJ).
Para a objetiva, recomendo ler muito o Código Civil.



PROCESSO CIVIL
É uma matéria que é difícil dizer como estudei. Já fiz o curso Ênfase, já li o Didier inteiro, sempre leio o CPC e, nas retas finais do MPF e TJMT, li muita jurisprudência.
Se for dizer como eu aprendi processo civil, eu diria que com as aulas do Ênfase do Navarro. Os resumos da aula dele que eu mesmo fazia me ajudaram mais do que os livros que li. Antes de provas, eu lia o meu caderno inteiro de processo civil. 
Já li o manual único para concursos do Daniel Assumpção. Achei muito fraco. Alguns amigos dizem que o curso dele de CPC é muito bom.

PENAL
Meu calcanhar de Aquiles, mas uma das matérias que eu mais gosto. Penal eu já estudei tanto, mas tanto, em especial a parte geral, que quando a examinadora pediu para eu falar só sobre crimes em espécie eu me embasbaquei todo. Ela pediu para eu falar 10 minutos sobre crimes contra ordem econômica. Eu não consegui falar tanto e acabei levando tudo para a teoria geral e dogmática penal. Funcionou para a aprovação, mas não para ter uma boa nota...

Bitencourt - Parte geral
Masson - Parte geral para revisar e li já todos os da parte especial para o TJMT, daí aproveitei e revisei para o MPF, porque a Ela estava cobrando muitos crimes específicos do CP.
Jakobs - direito penal do inimigo (livro bem fino), li uns dias antes da prova.
Jakobs - teoria da imputação objetiva e o livro do Luís Greco (Um panorama da imputação objetiva -fantástico! -indicação de uma amiga Procuradora da República).
Criminologia eu estudei pelo Graal, algumas anotações de aula e um livro que achei na internet em inglês (não lembro o nome, mas era bem geral). Mas, se eu fosse recomeçar para o 29, eu compraria um livro específico de Criminologia, pois caiu demais do 28 e a examinadora parece gostar muito.
Baltazar - Crimes federais.
Leitura das leis secas, em especial as de organização criminosa.
Pareceres da Ela Wiecko, pois ela tem algumas visões particulares sobre alguns crimes, como consentimento em tráfico de pessoas, direito penal indígena etc.

PROCESSO PENAL
Pacelli - processo penal
Pacelli e Fischer - CPP comentado (li só partes que eu estava capenga, como procedimentos especiais etc).


HUMANOS E INTERNACIONAL
Humanos - Os três livros do André de Carvalho Ramos (li todos umas 2 a 3 vezes durante todo o concurso. Depois a primeira, só revisava o que eu tinha marcado).
Decisões da Corte Interamericana de 2015
Livro do Caio Paiva e Heeman - Jurisprudência de Direitos Humanos.
O manual da ESMPU de Direitos Humanos - li em 2013 uma vez até a metade, depois nunca mais.
Muitas buscas pela internet, em especial artigos para entender a situação atual dos refugiados.
Nessas matérias, o curso CEI ajudou muito, porque eles elencam as teorias e decisões que mais caíram no MPF.

Internacional - Mazzuoli, parte de tratados.
Portela, para revisar rápido.
Ian Brownlie, nas matérias que eu queria aprofundar.
Livro da Denise Neves Abade - Cooperação jurídica e direitos fundamentais.

ECONÔMICO E CDC
O Graal está ótimo. Mas, nessa caminhada de concursos, um livro muito bom é o do Vizeu de Figueiredo.
Já li o livro da Cláudia Lima Marques também.
Nunca nem olhei para o livro do Eros Grau, mas ele é sempre citado pela examinadora.
Outro livro bom é o da Paula Forgioni.

ELEITORAL

Quem for começar, eu recomendo o livro do José Jairo Gomes. Eu tive que remendar tudo, porque estava estudando para o TRF, e acabei fazendo tudo no atropelo. Li um livro resumo da Jus Podium, mas era bem superficial, e o examinador Heliofar é uma assumidade em eleitoral.
Assisti as aulas dele no Youtube, aqui.
Li muito as leis eleitorais e fiz muito resumo para relembrar antes das provas. Tirei um 10 de eleitoral na 2 fase que foi ajuda divina.

ADMINISTRATIVO

Eu não tive essa matéria na UFMT de forma satisfatória. Assim, em 2013, eu tirei muitas semanas para ler todo o Carvalho Filho e a jurisprudência de administrativo.
Para o MPF, só revisei o meu caderno (compilado das aulas do Ênfase) e os negritos do livro do Carvalho.
Todo ano alguém fala em algum livro sensação de Adm para o MPF, eu sempre usei (até agora em 2015) meu livro do Carvalho de 2012, sendo que eu o atualizava com a jurisprudência.
Já li também o ótimo Direitos Difusos Esquematizado, que acho muito completo e rápido para aprendizado.
O Examinador Rothenburg tem aulas na OAB/ES sobre Quilombolas, que são muito boas.

AMBIENTAL

Frederico Amado- Ambiental esquematizado e leitura das leis.

TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO
Ricardo Alexandre em tributário. Já li o Paulsen uma vez, mas prefiro o Ricardo para concursos.
Financeiro eu leio a Lei 4320 (para esquecer tudo no outro dia) e a LRF. Já resumi a Tathiane Piscitelli, que eu acho muito didática.


Cursos que eu já fiz:
Em 2013, fiz o anual do Ênfase, que é preparatório para o MPF e TRF. Eu não o acho tão voltado para o MPF, mas as matérias básicas como civil, processo civil e penal são fantásticas. Eu entendi parte geral de penal com as juízas federais (Ana Paula Vieira de Carvalho e Valéria Caldi) professoras do Ênfase.
Em 2014 e 2015, fiz o curso CEI, desde o voltado à primeira fase até o da oral (é presencial e em Brasília). Recomendo muito, porque é muito voltado ao MPF.

:)