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Eficácia horizontal e diagonal dos direitos humanos.

Na minha prova oral do MPF, a examinadora de Direitos Humanos me indagou a diferença entre eficácia horizontal e diagonal de direitos humanos.

A eficácia horizontal, já bem difundida, relaciona-se à constitucionalização do direito privado, ou, de forma mais clara, à eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas.

Em âmbito doutrinário, há duas correntes sobre o modo com que os direitos fundamentais incidem nas relações privadas. Para a primeira corrente, os direitos fundamentais se aplicam de forma imediata, sem necessidade de determinação legal. Esta é a denominada Teoria da aplicação imediata.

Para a segunda (Teoria da aplicação mediata ou indireta), seria necessária essa intermediação legislativa.

Para Ingo Sarlet:

"De qualquer modo, para além dessas e de outras considerações que aqui poderiam ser tecidas, constata-se que no direito constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que, em princípio, os direitos fundamentais geram uma eficácia direta prima facie na esfera das relações privadas, sem se deixar de reconhecer, todavia, que o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares não é uniforme, reclamando soluções diferenciadas”[1]

Ainda que possamos encontrar essas duas posições acadêmicas, nos EUA também existe a doutrina do State Action, ou da ação estatal. Em resumo, aduz-se que os direitos humanos só se aplicam às ações estatais, com exceção dos particulares que agem como se estivessem no exercício de função pública ou serviço público.

Nas palavras de Bruno Fontenele:

“Pode-se dizer que a State Action Doctrine é uma doutrina norte-americana que afirma que os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição dos Estados Unidos, tais como os previstos na 1ª Emenda [04] e na Emenda 14 [05], somente protegem os cidadãos contra a ação do Estado (State Action) e não se aplicam a relações entre particulares. No entanto, essa doutrina apresenta 02 (duas) exceções, em que podem ser aplicados os direitos fundamentais nas relações entre particulares. A primeira exceção é denominada "public function exception", que trata sobre a possibilidade de se alegar a proteção dos direitos fundamentais numa relação privada quando uma das partes envolvidas estiver no exercício de uma função pública. Já a segunda exceção é chamada de "entanglement exception" e estabelece que se o governo delega uma de suas funções para uma entidade privada, essa entidade será considerada um agente estatal somente em relação às funções delegadas pelo governo.”[2]

No que concerne à eficácia diagonal, esta consiste na aplicabilidade dos direitos humanos nas relações entre particulares, mas que, mesmo sendo particulares, não se encontram em situações parêmias, a exemplo da relação empregado e empregador.

A OIT tem várias convenções que regulam a incidência dos direitos humanos trabalhistas nas relações privadas, de forma que se pode demonstrar a eficácia diagonal dos direitos humanos no plano internacional.

Assim, a eficácia diagonal observa que, mesmo entre particulares, pode haver algum polo da relação jurídica que se encontra menos protegido, de forma que é necessária a incidência de determinados direitos humanos.

:D


[1] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4 ed. Saraiva : São Paulo, 2015, p. 374.
[2] CABRAL, Bruno Fontenele. Artigo retirado daqui: http://jus.com.br/artigos/18416/state-action-doctrine

Comentários

  1. Muito bom o artigo Vinicius! Achei seu blog por acaso, por sugestão do Google + . Conteúdo de excelente qualidade. Se me permitir, vou divulga-lo para os colegas. Valeu cara. Leonan

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