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Direitos humanos: Obrigações erga omnes, ius cogens e obrigações erga partes.

Todos que já estudaram Direitos Humanos já devem ter visto as seguintes palavras: obrigações erga partes, erga omnes e ius cogens

Em vários momentos elas se aproximam, mas a doutrina, em especial André de Carvalho Ramos, diferencia esses institutos quanto ao seu conteúdo essencial.

Obrigações erga omnes são normas, oriundas do direito costumeiro internacional, que tratam de bens jurídicos cuja proteção é de interesse e de responsabilidade de todos os Estados.
No caso Barcelona Traction, a Corte Internacional de  Justiça as definiu como: "tendo em vista a importância dos direitos em causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo um interesse jurídico em que esses direitos sejam protegidos".
Exemplificando, a Corte Internacional de Justiça entendeu que respeitar o direito à autodeterminação dos povos (artigo 1.2 da Carta da ONU) é uma obrigação erga omnes.

Normas de ius cogens também são normas internacionalmente obrigatórias, o que as aproxima das erga omnes, mas elas são materialmente superiores, eis que implicam no reconhecimento de uma qualidade de direito material.
Como exemplo: proibição da tortura.
É necessário frisar que André Ramos diz que seria erro grosseiro dizer que as normas de ius cogens se diferenciam das erga omnes pela obrigatoriedade, eis que ambas são obrigatórias. A diferença mesmo consiste na posição materialmente superior.

Obrigações erga partes: São as obrigações entre Estados-partes e a Comunidade de Estados. São as obrigações erga omnes ditas acima. É que a doutrina entende pela existência de obrigações erga omnes inter partes, consistentes nas obrigações entre Estados-partes.

Uma outra distinção é sobre obrigações primárias e obrigações secundárias. As primárias, ou verticais, são as decorrentes de deveres do Direito Internacional dos Direitos Humanos, advindos da relação entre Estados e indivíduos. A inobservância da obrigação primária gera a obrigação secundária, que é a legitimidade de todos os Estados da sociedade internacional de reparar o ato danoso realizado.

ATUALIZAÇÃO 2017: Após ler o livro do Alberto Amaral Júnior, vi que ele discrimina melhor esses institutos:

As normas de ius cogens consagram maior rigidez a certos valores essenciais para a convivência coletiva. Elas são imperativas, ou seja, a imperatividade é uma qualidade da norma, que impede a derrogação por acordo particular, o que se distingue da obrigatoriedade, esta podendo ser derrogada.
Quando de sua formação, se um Estado não aceitar a norma, rebelando-se contra a formação do costume internacional, a doutrina o denomina de objetor persistente.
As obrigações erga omnes são aquelas que todos os Estados têm interesse em seu cumprimento. As normas de ius cogens, além de expressar esse interesse, são inderrogáveis. Logo, pode-se dizer que todas as normas de ius cogens são obrigações erga omnes, mas o contrário não é verdadeiro.
Segundo Alberto Amaral no livro citado acima:

“As regras de ius cogens, por força da superioridade hierárquica que lhes é própria, se sobrepõem às demais normas, ao passo que as obrigações erga omnes designam o escopo de aplicação do direito em causa e as consequências procedimentais que dele decorrem. A normas que cria obrigações erga omnes se dirige a toda a comunidade internacional, de sorte que todos os Estados poderão invocar a responsabilidade daquele que a violou. Ela não cria, contudo, uma clara superioridade de tal obrigação sobre as outras obrigações que o direito internacional regula. A relevância das obrigações erga omnes não se traduz em suam superioridade hierárquica como a revelada pelas regras de jus cogens”.

Pelo mesmo autor, jus cogens se tornou um conceito de direito positivo, mas não adquiriu conteúdo de direito material positivo, o que torna difícil a exemplificação de normas de jus cogens. No caso, ele exemplifica que só há um núcleo duro de normas de jus cogens: proibição da escravidão e do genocídio.

Comentários

  1. Olá Vinícius, boa tarde.
    O núcleo "duro" das jus cogens também não abrange a vedação à tortura?
    Abs.

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  2. Oi, Isa, tudo bem?
    Pela doutrina de André de Carvalho Ramos e a de Amaral Jr, percebe-se que há certeza absoluta quanto à classificação das proibições da escravidão e do genocídio como normas de jus cogens. Isso se dá pela caracterização histórica de ambos tratados. Ocorre que a vedação à tortura, tal como formulado seu tratado, possui algumas inaplicabilidades pela atual classificação dos EUA, Rússia e outras nações, que não querem que alguns atos sejam equiparados a tortura. Logo, há divergência quanto à tortura. Em uma prova, eu diria que a vedação à tortura é obrigação erga omnes a caminho de se tornar uma obrigação jus cogens. Abraço grande!

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