terça-feira, 27 de junho de 2017

Análise da Nova Lei de Migração



Olá, pessoal.
Primeiro, desculpa a demora. A rotina está bem lotada.
Como diz a minha personal toda vez que fico ausente um tempo: agora vai!  ahahah 
Prometo voltar com a regularidade das postagens.

A Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445) foi promulgada no dia 24 de maio de 2017. Você a encontra aqui: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm

Primeiro, ela retira alguns xenofobismos que a lei anterior previa. Além disso, passa a prever a proteção e confere direitos aos migrantes.
Se observarmos, o artigo 2º da antiga lei (Lei 6.815) previa que a aplicação da lei atenderia precipuamente à “segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”.
Logo, o paradigma da lei anterior era a proteção justamente de interesses governamentais, não focando no migrante enquanto ser humano digno de direitos específicos.
Ao contrário, a nova Lei de Migração, em seu artigo 3º muda o paradigma da política migratória brasileira, em especial por vedar a xenofobia, a criminalização da migração e estimular a acolhida humanitária. Vamos aos incisos:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; 
II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; 
III - não criminalização da migração; 
IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional; 
V - promoção de entrada regular e de regularização documental; 
VI - acolhida humanitária
VII - desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil; 
VIII - garantia do direito à reunião familiar; 
IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares;
X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas;
XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante;
XIII - diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante;
XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas;
XV - cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;
XVI - integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço;
XVII - proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante;
XVIII - observância ao disposto em tratado;
XIX - proteção ao brasileiro no exterior;
XX - migração e desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas;
XXI - promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil, nos termos da lei; e
XXII - repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas.

Daí vocês pensam: “Ok, mais coisa para decorarmos pra prova. Que saco vários incisos sobre esse assunto”.

Ocorre que isso não é um assunto “da moda”, pois essa mudança cultural da legislação fará com que muitas rotinas sejam diferenciadas no trato do migrante que chega ao Brasil e daqui parte.
Imagino que muitos tenham em suas famílias imigrantes que para cá vieram. Assim, essa nova lei, ao menos da leitura que eu faço, permitirá que o migrante seja melhor respeitado.

Assim, creio que foi importante a lei mudar esse paradigma e permitir que ocorra um mosaico de proteção dos migrantes, tanto que o artigo 2º não prejudica a aplicação de disposições especiais, como normas sobre refugiados, apátridas etc. Então, se formos aplicar a norma mais favorável ao migrante, qual é o instituto jurídico que designa essa aplicação? O princípio pro homine.

E por qual motivo temos que aplicar a norma mais favorável aos imigrantes, aos asilados, aos refugiados, aos apátridas? Pois todos se encontram em uma situação de vulnerabilidade. Além de o princípio pro homine ser aplicado a todos os seres humanos, eis que rege a aplicação das normas de direitos humanos, ele protege também os que se encontram vulneráveis.

Para melhor ilustrar, vejam a situação de alguns refugiados sírios no Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=E5BQkx56czo

Tá, sei que não estamos falando de refugiados e sim da nova lei, mas é importante percebemos que há uma nova confluência mundial em torno do tema da migração de povos e comunidades.

Vamos voltar então.

No artigo 4º da lei (que, convenhamos, inspirou-se no artigo 5º da CRFB), prevê-se vários direitos aos migrantes, alguns não previstos anteriormente, como o direito de transferir recursos a outro país, direito de reunião, direito a abertura de conta bancária e direito à informação.

Quanto aos vistos, uma mudança interessante é a possibilidade de o visto temporário abarcar situações de trabalho:

Art. 14, p. 6º- O visto temporário para férias-trabalho poderá ser concedido ao imigrante maior de 16 (dezesseis) anos que seja nacional de país que conceda idêntico benefício ao nacional brasileiro, em termos definidos por comunicação diplomática.

Interessante também que a Lei nova abarcou a proteção aos residentes fronteiriços, ou seja, aqueles que moram na divisa do Brasil com algum país vizinho.
Será concedido ao residente fronteiriço um documento para que ela possa livre circular e realizar atos da vida civil no Brasil.
Também é possível que ele obtenha uma autorização de residência (artigo 30).
Essa situação é melhor visualizada na fronteira Brasil e Paraguai, em especial Ponta Porã/MS e Pedro Juan Caballero. Aqui em Mato Grosso temos San Matias/Bolívia, que fica muito próxima da fronteira e de Cáceres (cidade em que o MPF possui uma unidade).

Quanto ao asilo, notei dois artigos interessantes, o primeiro sobre não concessão de asilo aos que cometeram crimes de jus cogens (crimes de Direito Internacional Penal, que afetam/violam valores da sociedade internacional e estão no Estatuto do TPI) e que a saída do asilado do BR implica em renúncia do asilo:

Art. 28.  Não se concederá asilo a quem tenha cometido crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto no 4.388, de 25 de setembro de 2002.
Art. 29.  A saída do asilado do País sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo.

Lembram que eu falei acima que a Lei estabelecia novos patamares de proteção e tratamento? Isso, para mim, ficou claro ao ver que a normativa estabelece casos de reunião familiar:

Da Reunião Familiar
Art. 37.  O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante:
I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma;
II - filho de imigrante beneficiário de autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;
III - ascendente, descendente até o segundo grau ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência; ou
IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda.

Reputo muito importante a leitura do artigo 45, ou seja, quem está impedido de ingressar no país. Sabe aquele medinho que temos na imigração estrangeira de sermos deportados? Ou seja, de nem entrarmos no país e pegarmos o primeiro avião de volta ao Brasil? Isso acontecerá com as pessoas que a lei proíbe ex ante de adentrar no nosso país.
Alguns casos são:
a. Quem foi anteriormente expulso;
b. Condenado por crimes do Estatuto do TPI;
c. Condenado por crime passível de extradição;
d. Nome contido em listas de restrições por decisão judicial ou compromisso internacional assumido pelo país (aqui poderia entrar as listas da INTERPOL);
e. Apresentação de documento de viagem inválido.
f.   Praticado ato contrário aos princípios e objetivos da Constituição – meio abstrato esse daí, não?!

Quanto às medida de retirada compulsória, temos:
I.            Repatriação: medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento ao país de procedência ou de nacionalidade;

II.        Deportação: medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional;

III.     Expulsão: medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.

E o que temos de novo quanto a essas medidas de retirada do imigrante?
A DPU será notificada em todos esses casos. Isso é um enorme passo e solidifica a atuação da DPU.

Outro artigo importante é o que veda qualquer tipo de retirada coletiva (artigo 61).

A lei nova não mais prevê crimes em seu corpo. Ao contrário, inseriu o artigo 232-A no Código Penal:

“Promoção de migração ilegal

Art. 232-A.  Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1o  Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

§ 2o  A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se:

I - o crime é cometido com violência; ou

II - a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.

§ 3o  A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas.”

Por fim, a lei trata de dois temas importantíssimos: mecanismos de cooperação internacional (extradição, transferência de sentenciados etc) e nacionalidade.

Quanto ao tema da nacionalidade, importante que vocês leiam conectados com o artigo 12 da CRFB:

Art. 12. São brasileiros: 
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
II - naturalizados: 
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
§ 1º   Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Na nova Lei, temos que a naturalização poderá ser:
I.            Ordinária: pessoa tenha capacidade civil, residência mínima de 4 anos no Br (esse prazo pode ser reduzido para 1 ano se, pro exemplo, o imigrante tiver um filho brasileiro), comunicar-se em língua portuguesa, não possui condenação criminal ou estar reabilitado;
II.        Extraordinária: Pessoa de qualquer nacionalidade e que more no Br há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação penal;
III.     Especial: Aos que sejam cônjuges de pessoa do Serviço Exterior Brasileiro há mais de 05 anos; aos empregados em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos;
IV.    Provisória: migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal

Em até um ano depois de concedida a naturalização, o naturalizado deve comparecer na Justiça Eleitoral para cadastrar-se (artigo 72).

Por fim, a meu ver a lei não inovou quase nada sobre os temas cooperacionais.
No capítulo da extradição vemos só positivadas proibições que o STF já havia há muito decidido.

Um destaque (talvez um pouco inédito para mim que fiquei surpreso ao lê-lo) é o parágrafo 4º do artigo 82: “O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo”.

Em outros casos, só dá forma ao procedimento extradicional, como no artigo 91 sobre o interrogatório do extraditando:

Art. 91.  Ao receber o pedido, o relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, nomear-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver.
§ 1o  A defesa, a ser apresentada no prazo de 10 (dez) dias contado da data do interrogatório, versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma de documento apresentado ou ilegalidade da extradição.
§ 2o  Não estando o processo devidamente instruído, o Tribunal, a requerimento do órgão do Ministério Público Federal correspondente, poderá converter o julgamento em diligência para suprir a falta.
§ 3o  Para suprir a falta referida no § 2o, o Ministério Público Federal terá prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, após o qual o pedido será julgado independentemente da diligência.
§ 4o O prazo referido no § 3o será contado da data de notificação à missão diplomática do Estado requerente.

Bom, essas são as minhas considerações iniciais.

Quero agradecer a minha incrível amiga Diana, que sempre me pergunta sobre o blog e foi quem indicou também esse tema, e minha irmã Mariana, que puxou minha orelha por eu estar muito relapso com as postagens eheheheh
Voltaremos em breve com uma nova postagem

Ah, quem tiver dúvida só postar nos comentários ou me mandar e-mail.


Abraços a todos!

5 comentários:

  1. Ótimo texto, mas me permita fazer as seguintes considerações.

    "Por fim, a meu ver a lei não inovou quase nada sobre os temas cooperacionais."

    Devo discordar dessa passagem.

    O art. 100 da lei que regula a transferência de execução da pena permite a homologação de sentença penal estrangeira para fins de pena privativa de liberdade, o que era vedado pelo art. 9 do CP (que só permitia essa homologação para fins de medida de segurança e reparação do dano). Isso é uma enorme inovação, que no entanto poderia ser bem maior.

    Cabe ressaltar que Douglas Fischer e Vladimir Aras escreveram um artigo em que defendem a transferência de execução da pena como alternativa para a extradição nos casos em que a extradição não seja possível (como no caso do brasileiro nato) ou conveniente por algum motivo (publicado no temas de CJI do MPF e no temas atuais do MPF 2016 - editora juspodivm). No entanto, a redação do art. 100 da lei restringe a possibilidade do uso do instituto de cooperação jurídica internacional penal da transferência de execução para os casos em que se admite a extradição executória, o que limita essa possibilidade proposta por Fischer/Aras.

    O tema é bastante interessante e pouca gente se atentou a esse detalhe, se eu tivesse tempo escreveria um artigo sobre isso.

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    1. Oi, André, tudo bem?

      Eu já tinha lido esse artigo e ele é bem interessante mesmo.

      Quando eu escrevi que não inovou quase nada, eu estava com a sensação de que poderia ter inovado muito mais. A coordenação política da lei acabou por tolher demais a comissão de juristas, em minha opinião. O aspecto cooperacional poderia ter evoluído ainda mais, em especial no sistema de extradição.

      Quanto ao artigo 100 e o 9 do CP, de fato ele acaba por inovar no ordenamento, aumentando uma possibilidade anteriormente não prevista. Acredito que vou colocar isso expresso no texto, pois voce me lembrou do CP.

      Valeu pelo comentário! Adorei suas ponderações!

      Grande abraço.

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