Olá, pessoal.
Primeiro, desculpa a
demora. A rotina está bem lotada.
Como diz a minha personal toda vez que fico ausente um tempo: agora vai! ahahah
Prometo voltar com a regularidade das postagens.
A Nova Lei de Migração (Lei
nº 13.445) foi promulgada no dia 24 de maio de 2017. Você a encontra aqui: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm
Primeiro, ela retira
alguns xenofobismos que a lei anterior previa. Além disso, passa a prever a proteção
e confere direitos aos migrantes.
Se observarmos, o artigo
2º da antiga lei (Lei 6.815) previa que a aplicação da lei atenderia precipuamente à “segurança nacional, à
organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais
do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”.
Logo, o paradigma da lei
anterior era a proteção justamente de interesses governamentais, não focando no
migrante enquanto ser humano digno de direitos específicos.
Ao contrário, a nova Lei
de Migração, em seu artigo 3º muda o paradigma da política migratória brasileira, em especial por vedar a xenofobia,
a criminalização da migração e estimular a acolhida humanitária. Vamos aos
incisos:
I - universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos direitos humanos;
II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo
e a quaisquer formas de discriminação;
III - não criminalização da migração;
IV - não discriminação em razão dos critérios ou
dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território
nacional;
V - promoção de entrada regular e de
regularização documental;
VI - acolhida humanitária;
VII - desenvolvimento econômico, turístico,
social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil;
VIII - garantia do direito à reunião
familiar;
IX - igualdade de tratamento e de oportunidade
ao migrante e a seus familiares;
X - inclusão social, laboral e produtiva do
migrante por meio de políticas públicas;
XI - acesso igualitário e livre do migrante a
serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência
jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade
social;
XII - promoção e difusão de direitos,
liberdades, garantias e obrigações do migrante;
XIII - diálogo social na formulação, na execução
e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do
migrante;
XIV - fortalecimento da integração econômica,
política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição
de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas;
XV - cooperação internacional com Estados de
origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir
efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;
XVI - integração e desenvolvimento das regiões
de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir
efetividade aos direitos do residente fronteiriço;
XVII - proteção integral e atenção ao superior
interesse da criança e do adolescente migrante;
XVIII - observância ao disposto em tratado;
XIX - proteção ao brasileiro no exterior;
XX - migração e desenvolvimento humano no local
de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas;
XXI - promoção do reconhecimento acadêmico e do
exercício profissional no Brasil, nos termos da lei; e
XXII - repúdio a práticas de expulsão ou de
deportação coletivas.
Daí vocês pensam: “Ok,
mais coisa para decorarmos pra prova. Que saco vários incisos sobre esse
assunto”.
Ocorre que isso não é um
assunto “da moda”, pois essa mudança cultural da legislação fará com que muitas
rotinas sejam diferenciadas no trato do migrante que chega ao Brasil e daqui
parte.
Imagino que muitos
tenham em suas famílias imigrantes que para cá vieram. Assim, essa nova lei, ao
menos da leitura que eu faço, permitirá que o migrante seja melhor respeitado.
Assim, creio que foi
importante a lei mudar esse paradigma e permitir que ocorra um mosaico de proteção
dos migrantes, tanto que o artigo 2º não prejudica a aplicação de disposições especiais,
como normas sobre refugiados, apátridas etc. Então, se formos aplicar a norma
mais favorável ao migrante, qual é o instituto jurídico que designa essa
aplicação? O princípio pro homine.
E por qual motivo temos
que aplicar a norma mais favorável aos imigrantes, aos asilados, aos
refugiados, aos apátridas? Pois todos se encontram em uma situação de
vulnerabilidade. Além de o princípio pro homine ser aplicado a todos os seres humanos, eis que rege a
aplicação das normas de direitos humanos, ele protege também os que se
encontram vulneráveis.
Para melhor ilustrar,
vejam a situação de alguns refugiados sírios no Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=E5BQkx56czo
Tá, sei que não estamos
falando de refugiados e sim da nova lei, mas é importante percebemos que há uma
nova confluência mundial em torno do tema da migração de povos e comunidades.
Vamos voltar então.
No artigo 4º da lei
(que, convenhamos, inspirou-se no artigo 5º da CRFB), prevê-se vários direitos
aos migrantes, alguns não previstos anteriormente, como o direito de transferir
recursos a outro país, direito de reunião, direito a abertura de conta bancária
e direito à informação.
Quanto aos vistos, uma
mudança interessante é a possibilidade de o visto temporário abarcar situações
de trabalho:
Art.
14, p. 6º- O visto temporário para férias-trabalho poderá ser concedido ao
imigrante maior de 16 (dezesseis) anos que seja nacional de país que conceda
idêntico benefício ao nacional brasileiro, em termos definidos por comunicação
diplomática.
Interessante também que
a Lei nova abarcou a proteção aos residentes
fronteiriços, ou seja, aqueles que moram na divisa do Brasil com algum país
vizinho.
Será concedido ao
residente fronteiriço um documento para que ela possa livre circular e realizar
atos da vida civil no Brasil.
Também é possível que
ele obtenha uma autorização de residência (artigo 30).
Essa situação é melhor
visualizada na fronteira Brasil e Paraguai, em especial Ponta Porã/MS e Pedro
Juan Caballero. Aqui em Mato Grosso temos San Matias/Bolívia, que fica muito
próxima da fronteira e de Cáceres (cidade em que o MPF possui uma unidade).
Quanto ao asilo, notei
dois artigos interessantes, o primeiro sobre não concessão de asilo aos que
cometeram crimes de jus cogens
(crimes de Direito Internacional Penal, que afetam/violam valores da sociedade
internacional e estão no Estatuto do TPI) e que a saída do asilado do BR
implica em renúncia do asilo:
Art. 28. Não se concederá asilo a quem
tenha cometido crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra
ou crime de agressão, nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto no 4.388,
de 25 de setembro de 2002.
Lembram que eu falei
acima que a Lei estabelecia novos patamares de proteção e tratamento? Isso,
para mim, ficou claro ao ver que a normativa estabelece casos de reunião familiar:
Da Reunião Familiar
Art. 37. O visto
ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao
imigrante:
I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação
alguma;
II - filho de imigrante beneficiário de
autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante
beneficiário de autorização de residência;
III - ascendente, descendente até o segundo grau
ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de
residência; ou
IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou
guarda.
Reputo muito importante
a leitura do artigo 45, ou seja, quem
está impedido de ingressar no país. Sabe aquele medinho que temos na
imigração estrangeira de sermos deportados?
Ou seja, de nem entrarmos no país e pegarmos o primeiro avião de volta ao
Brasil? Isso acontecerá com as pessoas que a lei proíbe ex ante de adentrar no nosso país.
Alguns casos são:
a. Quem foi anteriormente
expulso;
b. Condenado por crimes do
Estatuto do TPI;
c. Condenado por crime passível
de extradição;
d. Nome contido em listas
de restrições por decisão judicial ou compromisso internacional assumido pelo
país (aqui poderia entrar as listas da
INTERPOL);
e. Apresentação de
documento de viagem inválido.
f.
Praticado
ato contrário aos princípios e objetivos da Constituição – meio abstrato esse
daí, não?!
Quanto às medida de retirada compulsória, temos:
I.
Repatriação: medida administrativa
de devolução de pessoa em situação de impedimento ao país de procedência ou de
nacionalidade;
II.
Deportação: medida decorrente de
procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que
se encontre em situação migratória irregular em território nacional;
III.
Expulsão: medida administrativa
de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional,
conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.
E o que temos de novo
quanto a essas medidas de retirada do imigrante?
A DPU será notificada em
todos esses casos. Isso é um enorme
passo e solidifica a atuação da DPU.
Outro artigo importante
é o que veda qualquer tipo de retirada coletiva (artigo 61).
A lei nova não mais prevê
crimes em seu corpo. Ao contrário, inseriu o artigo 232-A no Código Penal:
“Promoção de migração
ilegal
Art.
232-A. Promover, por qualquer meio, com
o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em
território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:
Pena
- reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§
1o Na mesma pena incorre quem promover,
por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de
estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país
estrangeiro.
§
2o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto)
a 1/3 (um terço) se:
I
- o crime é cometido com violência; ou
II
- a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.
§
3o A pena prevista para o crime será
aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas.”
Por fim, a lei trata de
dois temas importantíssimos: mecanismos de cooperação internacional (extradição,
transferência de sentenciados etc) e nacionalidade.
Quanto ao tema da nacionalidade,
importante que vocês leiam conectados com o artigo 12 da CRFB:
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do
Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço
de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro
ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República
Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro
ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira
competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em
qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a
nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade,
residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade
brasileira.(Redação
dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
§ 1º Aos portugueses com residência
permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão
atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição. (Redação
dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção
entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta
Constituição.
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade
do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por
sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos
casos: (Redação
dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária
pela lei estrangeira; (Incluído
pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma
estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para
permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído
pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Na nova Lei, temos que a
naturalização poderá ser:
I.
Ordinária: pessoa tenha
capacidade civil, residência mínima de 4 anos no Br (esse prazo pode ser
reduzido para 1 ano se, pro exemplo, o imigrante tiver um filho brasileiro),
comunicar-se em língua portuguesa, não possui condenação criminal ou estar
reabilitado;
II.
Extraordinária: Pessoa de qualquer
nacionalidade e que more no Br há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação
penal;
III. Especial: Aos que sejam cônjuges de pessoa do Serviço
Exterior Brasileiro há mais de 05 anos; aos empregados em missão diplomática ou
em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos;
IV.
Provisória: migrante criança ou
adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de
completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu
representante legal
Em até um ano depois de
concedida a naturalização, o naturalizado deve comparecer na Justiça Eleitoral
para cadastrar-se (artigo 72).
Por fim, a meu ver a lei
não inovou quase nada sobre os temas cooperacionais.
No capítulo da extradição
vemos só positivadas proibições que o STF já havia há muito decidido.
Um destaque (talvez um
pouco inédito para mim que fiquei surpreso ao lê-lo) é o parágrafo 4º do artigo
82: “O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o
atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra
a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo”.
Em outros casos, só dá
forma ao procedimento extradicional, como no artigo 91 sobre o interrogatório
do extraditando:
Art. 91. Ao receber o pedido, o relator
designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso,
nomear-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver.
§ 1o A defesa, a ser
apresentada no prazo de 10 (dez) dias contado da data do interrogatório,
versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma de documento
apresentado ou ilegalidade da extradição.
§ 2o Não estando o
processo devidamente instruído, o Tribunal, a requerimento do órgão do
Ministério Público Federal correspondente, poderá converter o julgamento em
diligência para suprir a falta.
§ 3o Para suprir a falta
referida no § 2o, o Ministério Público Federal terá prazo
improrrogável de 60 (sessenta) dias, após o qual o pedido será julgado
independentemente da diligência.
§ 4o O prazo referido no
§ 3o será contado da data de notificação à missão
diplomática do Estado requerente.
Bom, essas são as minhas
considerações iniciais.
Quero agradecer a minha
incrível amiga Diana, que sempre me pergunta sobre o blog e foi quem indicou
também esse tema, e minha irmã Mariana, que puxou minha orelha por eu estar
muito relapso com as postagens eheheheh
Voltaremos em breve com
uma nova postagem
Ah, quem tiver dúvida só
postar nos comentários ou me mandar e-mail.
Abraços a todos!
que texto maravilhoso! Adorei!
ResponderExcluirMuito obrigado!
ResponderExcluirDe nada! :D
ExcluirÓtimo texto, mas me permita fazer as seguintes considerações.
ResponderExcluir"Por fim, a meu ver a lei não inovou quase nada sobre os temas cooperacionais."
Devo discordar dessa passagem.
O art. 100 da lei que regula a transferência de execução da pena permite a homologação de sentença penal estrangeira para fins de pena privativa de liberdade, o que era vedado pelo art. 9 do CP (que só permitia essa homologação para fins de medida de segurança e reparação do dano). Isso é uma enorme inovação, que no entanto poderia ser bem maior.
Cabe ressaltar que Douglas Fischer e Vladimir Aras escreveram um artigo em que defendem a transferência de execução da pena como alternativa para a extradição nos casos em que a extradição não seja possível (como no caso do brasileiro nato) ou conveniente por algum motivo (publicado no temas de CJI do MPF e no temas atuais do MPF 2016 - editora juspodivm). No entanto, a redação do art. 100 da lei restringe a possibilidade do uso do instituto de cooperação jurídica internacional penal da transferência de execução para os casos em que se admite a extradição executória, o que limita essa possibilidade proposta por Fischer/Aras.
O tema é bastante interessante e pouca gente se atentou a esse detalhe, se eu tivesse tempo escreveria um artigo sobre isso.
Oi, André, tudo bem?
ExcluirEu já tinha lido esse artigo e ele é bem interessante mesmo.
Quando eu escrevi que não inovou quase nada, eu estava com a sensação de que poderia ter inovado muito mais. A coordenação política da lei acabou por tolher demais a comissão de juristas, em minha opinião. O aspecto cooperacional poderia ter evoluído ainda mais, em especial no sistema de extradição.
Quanto ao artigo 100 e o 9 do CP, de fato ele acaba por inovar no ordenamento, aumentando uma possibilidade anteriormente não prevista. Acredito que vou colocar isso expresso no texto, pois voce me lembrou do CP.
Valeu pelo comentário! Adorei suas ponderações!
Grande abraço.