Hoje quero tecer um rápido comentário sobre um precedente do Min.
Celso de Mello do último informativo do STF de número 831.
O caso é simples: Houve a prisão em flagrante de determinada
pessoa por furto simples e direção ilegal de veículo. Assim, de forma até
comum, o juiz fixou fiança, que não foi paga por falta de dinheiro.
Então, foi mantida a prisão, até o momento em que fosse recolhida
a fiança.
Ocorre que o caso chegou no STF e o Min. Celso de Mello assim
decidiu (vou colocar só a ementa que já dá de entender o que quero discutir):
Prisão em
flagrante. Furto simples (CP, art. 155, “caput”) e direção ilegal de veículo
automotor (CTB, art. 309). Paciente que, por ser pobre, não tem condições de
prestar fiança criminal (CPP, art. 325, § 1º, I). Manutenção, mesmo assim, de
sua prisão cautelar. Ausência dos requisitos de cautelaridade. Existência,
contra o paciente, de procedimentos penais em curso: Irrelevância. Presunção
constitucional de inocência. Direito fundamental que assiste a qualquer pessoa.
Caráter excepcional da prisão cautelar. Incongruência de manter-se
cautelarmente preso alguém que, se condenado, sofrerá a execução da pena em
regime aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”), caso o magistrado sentenciante não opte
por substituir a pena de prisão por penas meramente restritivas de direitos
(CP, art. 44, I). A prevalência da liberdade como valor fundamental que se
reveste de condição prioritária (“preferred position”) no plano das relações
entre o indivíduo e o Estado. Precedentes. A clamorosa situação do sistema
penitenciário brasileiro como expressão visível e perversa de um estado de
coisas inconstitucional (ADPF 347-MC/DF). Concessão de liberdade provisória ao
paciente. Medida cautelar deferida. HC 134508-MC/SP.
Assim, pela leitura acima, identifica-se alguns pontos para
questionamento:
1-
Cabe ao juiz antecipar a provável pena
para verificar se a prisão é devida?
Devemos lembrar que esse juízo antecipatório é
terminantemente vedado pelo STF e STJ para a prescrição virtual (que um dia vai
cair, tomara!).
2-
A liberdade é realmente uma posição
preferencial em todos os casos do nosso ordenamento?
3-
O estado de coisas inconstitucional
pode ser analisado para a flexibilização da prisão preventiva?
4-
A existência de procedimentos penais
em curso realmente não pode ser levado em conta para a prisão?
Neste item 4, devemos lembrar de precedente do STJ
de que o adulto que fora menor infrator contumaz pode ter contra si esse fato
levado em conta para a sua prisão preventiva, mas não para caracterização de
maus antecedentes.
5-
Por fim, a simples ausência de
dinheiro, ou pobreza mesmo, impede que seja decretada a prisão preventiva de
determinada pessoa?
Bom, algumas questões acima podem
ser realmente fáceis de responder, a depender do posicionamento ideológico que
possuímos. Ocorre que essas questões são práticas e diretamente relacionadas
aos nossos estudos e profissões.
Por exemplo, se eu entender que o
estado de coisas inconstitucional é presente na Cadeia Pública de Colniza,
tenho que deferir liberdade provisória neste exato momento a todos os presos
provisórios?
Eu acredito que se o fizer, no
outro dia recebo uma reclamação no CNJ.
Assim, eventual leitura de
precedentes deve ser feita com ponderação. No caso, veja-se que a situação chegou
ao extremo de só no Supremo ser revisitada a situação do preso.
Para evitar situações assim,
tornei como rotina a seguinte prática: Quando das minhas visitas na cadeia,
pergunto quais são os presos provisórios com fiança e desde qual data a fiança
foi imposta. Se por mais de uma semana, para mim ficou clara a situação de que
a pessoa não irá pagar fiança e, por isso, imponho outra medida cautelar não
pecuniária adequada ao caso.
Claro que há muito mais
requisitos e aspectos que são analisados quando da imposição da fiança, mas
devemos lembrar que a sua simples fixação e depois esquecimento da pessoa presa
gera um dos fatos que compõem o estado de coisas inconstitucional.
Não responderei todas as
perguntas acima, eis que são retóricas. Todavia, as coloquei para exemplificar
o que cotidianamente o Defensor, o Promotor ou Procurador e o Juiz se deparam
perante uma prisão em flagrante.
Às vezes (muitas, muitas
vezes...), você verifica todos os requisitos da prisão preventiva, eis que há
fundamento teórico para quase tudo, mas percebe que ela não é a mais adequada
ao caso. Por outras, você percebe que ela é a mais adequada pela situação ser
em uma cidade pequena e não o seria se fosse em uma cidade grande.
Quando entrei na magistratura,
escutei coisas como: se você ficar liberando muito, sua cidade (como se a
comarca em que atuássemos fosse nossa) ficará um inferno. Se prender muito,
terá muitas representações na Corregedoria ou CNJ. Se determinar tornozeleira
eletrônica, irá acabar rápido e irá banalizar o instituto. Se soltar
estuprador, a sociedade irá matá-lo. Se determinar a prisão de “gente
importante”, irá receber ameaças.
Percebe-se que há muitos
silogismos que são importados ao mundo jurídico como fatos pré-programados,
acorrentando quem quer que seja ao analisar a prisão e suas modalidades.
Assim, retornando ao precedente
do STF, entendo-o como válido, mas impossível que aplicação a todos os casos.
Vejo, atualmente, que o antigo “boca
da lei -bouche de la loi” está se tornando “boca do precedente que ainda nem se
tornou jurisprudência”, de forma que se aplicarmos qualquer decisão monocrática
sem força vinculante a todos os casos minimamente análogos, podemos criar um
estado de coisas caótico.
Portanto, aquela frase que
aprendi já no primeiro ano de faculdade: “depende do caso” ainda é a melhor
saída. Às vezes, podemos ter o caso de o preso ser pobre, não ter quitado a
fiança, mas começa a coagir testemunhas. Assim, ao invés de revogar a fiança
pela simples pobreza, será determinada a sua prisão preventiva, não?
Deixo aqui este post ainda cheio
de dúvidas e questionamentos.
Aviso aos navegantes: Hoje entro
de férias! YEAHHH!!! Mas, mesmo de férias, tentarei atualizar o blog e planejar
algo interessante para o meu retorno.
Abraço a todos!