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Sentença condenatória em Júri



Segue, abaixo, a sentença proferida na Sessão de Julgamento do Júri a que me referi no post anterior.

P.s.: Não coloco "vistos etc" porque acho ilógico. Se o magistrado está sentenciando, decidindo ou despacho, é lógico (ou deveria ser) que ele vistou ou analisou o processo. Em uma sentença, para mim, colocar vistos é algo do tipo: "Óh, to sentenciando, mas prometo que vistei o processo antes, ok?"


SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ofereceu denúncia contra X, qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal combinado com a Lei 8.072.
Narra a denúncia, em síntese, que no dia 20 de outubro de 2014, na linha primeiro de maio, zona rural, KM 06, termos desta Comarca, o acusado, qualificado a fls. 28/29, utilizando-se de meio que dificultou a possibilidade de defesa da ofendida, com disparo de arma de fogo, matou a vítima X, causando as lesões descritas no Auto de Exame de Corpo de Delito de fls. 16, que foram causa suficiente de sua morte.
Após regular instrução criminal, em juízo de admissibilidade da culpa, decidiu-se pela pronúncia do réu, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, inciso IV, do Código Penal, com as implicações da Lei 8.072/1990. Em decorrência, hoje foi submetido a julgamento popular.
Considerando que o Conselho de Sentença, ao apreciar os quesitos que lhes foram postos para votação, reconheceu a materialidade e a autoria delitiva;
Considerando que o Conselho de Sentença não absolveu o acusado;
Considerando que o Conselho de Sentença, ao votar o 4º quesito, não reconheceu que o réu cometeu o crime impelido por motivo de relevante valor moral;
Considerando que o Conselho de Sentença reconheceu que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima;
Ante o exposto, CONDENO o réu X, qualificado nos autos, nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal.
Diante do princípio constitucional da individualização da pena e considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, passo a fixá-la, em acordo com o sistema trifásico do artigo 68 do Código Penal e amparado no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República, nos seguintes termos:

A culpabilidade do réu é neutra, eis que a relação doméstica com a ofendida e o cometimento de crime contra sua cônjuge são agravantes, que serão levadas em consideração na segunda fase de dosimetria penal, evitando-se, assim, o bis in idem.

Em relação à segunda circunstância judicial, o réu não possui registros de antecedentes criminais;

Quanto a sua personalidade, considero-a neutra, em razão de inexistir laudo psicológico nos autos;

Todavia, em relação à conduta social, reputo-a em seu benefício, eis que a maioria das testemunhas hoje ouvidas aduziu que ele querido na cidade. Saliento o relato de X, que mencionou ser ele um “bom pai”.

Quanto aos motivos do crime, tenho que não restaram devidamente comprovados nos autos, de forma que reputo tal circunstância neutra.

O comportamento da vítima influenciou no evento delituoso, pois, apesar de discutirem pela divisão de tarefas domésticas, é certo que há relatos, tanto das testemunhas quanto do próprio réu, de comportamentos extraconjugais recíprocos que, eventualmente, teriam desgastado a relação e o réu os tinha como inapropriados;

As circunstâncias do crime, meio que dificultou a defesa da ofendida, embora graves, foram reconhecidas pelo Conselho de Sentença como qualificadoras do tipo penal, de modo que sua valoração nesta fase da dosimetria da pena, configuraria “bis in idem”;

Quanto às consequências do crime, embora graves, já que uma vida humana foi ceifada, integram o próprio tipo penal. Todavia, verifico que a ofendida possuía, à época do crime, 19 (dezenove) anos de idade e era genitora de uma filha com o réu.

Assim, ante a pena prevista para o crime de homicídio qualificado, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, entendo necessário e suficiente estabelecer a pena-base em 12 (doze) anos de reclusão, em razão do fato de que há duas circunstâncias judiciais favoráveis ao réu (conduta social e comportamento da vítima) e tão só uma desfavorável (consequências do crime).

Na segunda fase da dosimetria penal, verifico inexistir circunstâncias atenuantes. Contudo, com fulcro no artigo 385 do Código de Processo Penal, verifico a presença de duas agravantes, quais sejam, a da alínea “e” (crime cometido contra cônjuge) e a da alínea “f” (crime contra a mulher na forma da Lei 11.340 –Lei Maria da Penha).
Em relação à primeira agravante, a pena-base se aumenta para o montante de 14 (quatorze) anos. No que tange à segunda agravante, esta pena se eleva para o importe de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses.

Na terceira fase, inexistem causas de diminuição, em razão da decisão do Conselho de Sentença, assim como não há causas de aumento.

Assim, fixo a pena em 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a qual torno definitiva à míngua de outras circunstâncias ou causas que possam interferir nesse cálculo.

DA DETRAÇÃO E DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA:

 

Em razão do que dispõe o artigo 387, §2º, do CPP, reconheço que o réu tem o direito à detração de 07 (sete) meses e 14 (quatorze) dias, uma vez que, segundo fl. 401, o réu está preso desde o dia 04 de maio de 2015.

Nos moldes do artigo 33, parágrafo segundo, alínea “a”, do Código Penal, estabeleço o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena.


Anoto, por oportuno, que o réu não faz jus ao início do cumprimento da pena em regime mais brando, consoante preceitua o artigo 1º, da Lei 12.736 de 2012 e do § 2º, do Artigo 376 do Código de Processo Penal.


Sobre a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade, deixo de realizar por ter sido condenado à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, pelo crime ter sido cometido com violência à pessoa e por ter sido o crime doloso, não tendo cumprido os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Ausentes os critérios objetivos e subjetivos para a suspensão condicional da pena, razão pela qual deixo de aplicar (art. 77, do CP).


DA NEGATIVA DE APELO EM LIBERDADE:

O delito perpetrado traz riscos à ordem pública, principalmente, pelo modus operandi com que o réu praticou o crime de homicídio, de forma que a sua liberdade causará a desestabilização social e contribuirá para o descrédito da Justiça.

Quanto à materialidade e indícios de autoria, desmerecem maiores digressões diante desta condenação, em que pese a recorribilidade desta sentença.

Tais razões impõe a segregação do réu para a garantia da ordem pública e restabelecimento da tranquilidade social, encontrando-se preso praticamente desde maio de 2015, não sendo coerente colocá-lo em liberdade neste momento processual, uma vez condenado à pena tão gravosa e que deve ser cumprida em regime inicial fechado, motivo pelo qual NEGO eventual apelo em liberdade.

Assim, por se manterem presentes os pressupostos que autorizaram a prisão cautelar, quais sejam fumus comissi delicti e periculum libertati, mantenho o réu preso, pois presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

DISPOSITIVO:

PELO EXPOSTO e considerando a vontade soberana do Conselho de Sentença, CONDENO o réu X, já qualificado nos autos, nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, com as implicações da Lei nº 8072/90, à pena privativa de liberdade de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial fechado.

DELIBERAÇÕES FINAIS:

Após o trânsito em julgado desta decisão, suspendo os direitos políticos do condenado, em conformidade ao art. 15, III da Constituição da República e artigo 71, §2º, do Código Eleitoral. Comunique-se ao Cartório Eleitoral e ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Condeno o réu ao pagamento de eventuais custas e despesas judiciais, em consonância com o artigo 804 do CPP.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do condenado no rol dos culpados.
Observem-se as demais orientações da Corregedoria de Justiça, pertinentes a esta condenação.

Registre-se, oportunamente.

Publicada no Tribunal Popular do Júri da Comarca de Colniza/MT, às vinte e duas (22) horas e vinte (20) minutos, no décimo oitavo dia do mês de dezembro 2015, saindo as partes intimadas para efeitos recursais.

Cumpra-se.



VINÍCIUS ALEXANDRE FORTES DE BARROS
Juiz de Direito Substituto Presidente do Tribunal do Júri

Comentários

  1. Oii Vinicíus! Vim retribuir a visita ao meu blog, ainda que bem atrasada. Excelente visão sobre a forma de sentenciar, também acho sem noção esse negócio de "Vistos, etc."...muito sem sentido isso e vai se propagando né? A sua escrita é excelente e já deu para sentir que você tem desenvolvido com primor a magistratura.
    Fico muito feliz por você e agradeço muito a sua visita e comentário no meu blog! Estou quase encerrando os posts sobre a Grécia (com um pouco de atraso também) e já iniciarei as postagens sobre o Marrocos (estive lá em outubro passado). Quando for planejar sua viagem, lembre-se de mim, dou consultoria e faço roteiros personalizados viu? Grande bjo

    ResponderExcluir
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