segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A vida de juiz estadual.

Fiquei parado um bom tempo aqui no blog em razão de ter tomado posse em Colniza no dia 14 de dezembro. Aí é aquela loucura: mudança, ansiedade, o que trazer de livros e o que não trazer etc.

Para quem não sabe, Colniza fica no interior de MT, distando 1.110 km de Cuiabá (a capital). Eu tive que enfrentar um dia de estrada até Juína, dormir e pegar, no outro dia, mais de 6h de estrada de chão.

Colniza já foi eleita a cidade mais violenta do Brasil (matéria aqui), mas, sendo bem sincero, isso não me deu medo em nenhum momento. O que eu mais sentia que talvez seria uma barreira era a distância, não me preocupei muito com essa "violência".

Quando aqui cheguei, ainda bem que não fiquei preocupado antes à toa. Isso porque a cidade é muito tranquila (até demais no final de semana), nenhuma casa tem cerca elétrica e as mulheres e homens andam com correntes enormes de ouro (coisa muito difícil de ver em Cuiabá). As mortes que fizeram com que a cidade fosse eleita a mais violenta realmente ocorreram, mas foram em um período em que a cidade estava "a Deus dará". Hoje, com uma Polícia Civil e Militar fortes, um Judiciário e MP presente, parece-me que aquela realidade já se foi.

Para se ter uma noção, aluguei um apartamento que não possui garagem. Fiquei levemente preocupado em deixar meu carro na "rua", consistente em um afastamento da calçada, mas todos me disseram que é seguro e que não teria nenhum problema com isso.

Quanto à vida de juiz estadual: Acho que é um dos cargos que mais trabalham nesta República (mentira, é verdade, mentira, é verdade...).

Juiz estadual tem que fazer inspeção em Cadeia, Abrigo de Crianças, verificar mensalmente as prisões realizadas, desesperar quando, no meio de uma sentença, vem a gestora com um auto de prisão em flagrante que você tem que resolver logo, ser diretor do foro, administrar os funcionários e presidir o temido JÚRI hhahhaha. Vejo que os temas que mais aparecem aqui na comarca de Colniza são: previdenciário, ações civis públicas ambientais, infrações penais ambientais e demais de juizado, como danos morais.

Na  minha primeira semana, tive de enfrentar audiências das mais diversas e um júri logo de cara. Não vou falar que fiquei desesperado, porque nunca fiquei muito nervoso com coisas do trabalho, mas dá uma certa aflição você pensar que irá presidir os trabalhos de um júri. Contudo, como é um rito bem delineado no CPP, o júri foi bem tranquilo, tratei todos com educação e expliquei toda hora para a "plateia" o que estava ocorrendo. 

Acredito que o mais "tenso" de um júri é a leitura da condenação na frente do réu (este caso a sentença ficou em 16 anos e 04 meses) e de sua família. Aqui, na minha apertada sala de audiência, eu creio que tinham mais de 30 familiares do réu esperando a leitura da sentença. Alguns saíram chorando, pedi reforço policial, mas nada de anormal ocorreu.

Outra coisa que juiz estadual enfrenta são os temas previdenciários, uma vez que existe a competência delegada pela Constituição.

Para os que querem ser juiz estadual eu digo: vale todo o esforço! É muito trabalho? Sim, mas é recompensador. Você acaba se aproximando da sociedade, da mulher que chora na sua frente porque quer dizer ao marido preso que está grávida (isso ocorreu no meu segundo dia aqui), do pai do réu condenado no júri vindo em seu gabinete e agradecendo a sua forma de trabalhar etc.  

Claro que os demais cargos enfrentam situações humanas como essa, não me iludo com isso, só saliento que o juiz estadual, em uma comarca de pequeno porte, acaba por ser o "diretor" das questões mais importantes.

E uma coisa que os outros cargos não têm: o poder/dever/sofrimento/angústia/felicidade de decidir. É uma cruz decidir a prisão de alguém, a busca e apreensão na casa de alguém com base em indícios no dia de Natal, mas também é uma felicidade decidir o benefício previdenciário de alguém que esperou anos, de um processo que vai resolver a situação de fato mesmo, e não só a jurídica. 

Logo na primeira semana eu disse a alguns próximos a mim: Todo dia é uma crise existencial diferente. Todo dia é uma decisão a ser tomada que nunca tinha me surgido antes, o que pode vir a ser bom ou ruim. No dia do deferimento da busca e apreensão na casa de um senhor que supostamente portava uma arma, fiquei horas pensando nesse caso. Todavia, no outro dia, em que uma mãe precisava ser internada pelo vício de drogas, tive que decidir rápido e só depois pensar e refletir todas as consequências. 

Talvez esse seja o fardo maior do juiz.

Enfim, são os pequenos pontos que entendi importantes, por ora. Daqui para frente colocarei algumas sentenças.

P.s.: Daqui um tempo coloco a do Júri. 

Abraços a todos. :D

10 comentários:

  1. Meu caro amigo e colega, é uma aventura!
    Abraço!

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  2. Olá, só para motivos de correção, Colniza foi eleita a cidade mais violenta no estado de Mato Grosso e não do Brasil (nacionalmente ocupou a posição 54 no ranking).

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  3. Oi, Gabriel. Então, há dois relatórios. O de 2004 realizado pelo Observatório de Estudos de Violência da OEA elegeu Colniza entre a mais violenta do Brasil. Após, em 2007, esse índice melhorou, pois ela ficou em 54º lugar no ranking. Atualmente, nem mais aparece no ranking, felizmente. :D

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    1. Ah, não vi esse de 2004 no link citado.

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  4. Muito bom o compartilhamento de sua vida de juiz. Muito obrigado, caro colega. Continue firme.

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  5. Querido amigo Rodrigo, obrigado pela visita! Pode deixar que vou continuar firme aqui. Grande abraço. :D

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  6. Muito interessante ler essa sua experiência com a magistratura... ainda mais porque está aqui no meu Estado. Você já compartilhou em algum lugar seu depoimento de aprovação? Quero muito ler pois também estudo para a magistratura.

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  7. Muito interessante ler essa sua experiência com a magistratura... ainda mais porque está aqui no meu Estado. Você já compartilhou em algum lugar seu depoimento de aprovação? Quero muito ler pois também estudo para a magistratura.

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    1. Mariely, que legal! Você é de onde? Sou daqui mesmo, cuiabano de chapa e cruz.

      Ainda não compartilhei o meu depoimento de aprovação. O que seria isso? Seria a minha trajetória?

      Se sim, farei então, mas já digo que é aquela velha batida de todo concurseiro: estudei e estudei hehehehe

      Fique bem! Força aí nos seus estudos.

      Abraço.

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    2. Obrigada por responder Doutor Vinícius! Quando eu falei de depoimento de aprovação me referia à sua trajetória até chegar a magistratura, geralmente esses depoimentos são extremamente motivadores para quem ainda está no caminho mas eu sei que final a prática realizada é a mesma e não tem segredo: estudo, estudo, estudo! rsrs
      Eu sou do interior do Estado mas moro em Cuiabá a 10 anos e já me considero Cuiabana de coração. Me formei a três anos exerço a advocacia em uma autarquia federal mas sonho com a magistratura.

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