A VIDA DE PROCURADOR DA REPÚBLICA.
Bom,
o título é bem genérico (telecurso 2000 de como chamar leitores), mas já quero
esclarecer que falarei somente sobre a minha
rotina e as minhas impressões do MPF
e comparativo com o que tive na magistratura estadual.
Peço
que não generalizem minhas asserções, pois há colegas do MPF do meu concurso espalhados
nos quatro cantos do país, cada um com uma dificuldade peculiar, uma estrutura
diversa e uma conquista tão só sua.
Os
que estão em regiões de fronteira têm rotinas muito diversas, pois há um número
expressivo de audiências, audiências de custódia, processos com réus presos
etc.
Na
região do noroeste de MT, em que estou lotado (sou lotado em Juína), há graves
e cotidianos problemas: problemas ambientais e fundiários; assentamentos rurais
federais com irregularidades; trabalho escravo; conflitos urbanos com
populações tradicionais, em especial população indígena e instalação de usinas
hidrelétricas na bacia do Juruena.
Apesar
de ter morado lá e poder dizer que, de fato, é uma cidade calma e com ótimas
pessoas, Colniza tem aparecido como infeliz destaque nos noticiários nacionais,
em razão da chacina lá ocorrida (veja aqui ).
e de recente trabalho escravo encontrado (uma das vítimas é um senhor idoso (aqui).
Assim,
na minha rotina, essas questões aparecem atreladas à atuação criminal do MPF
(trabalho escravo) e atuação macroscópica, enquanto questões fundiárias da região
noroeste de MT.
Atualmente,
respondo pelo meu ofício, que recebe questões vinculadas a todas as Câmaras do
MPF (saiba sobre as CCRs aqui), estou como procurador substituto de um ofício
criminal na capital e sou Procurador Regional dos Direitos do Cidadão substituto
(olha uma atuação minha aqui).
Tais
atribuições são específicas do MPF. A PRDC é apaixonante, pois lidamos com temas
diretamente ligados ao cidadão. E essa atribuição acaba por me lembrar do que
eu tinha na magistratura estadual.
Na
Justiça Estadual, creio que a atuação é mais ligada diretamente à pessoa e à
comarca onde se vive. Temas como guarda, divórcio, adoção, brigas familiares,
crimes da justiça estadual parecem-me mais ligados à comunidade local. A decisão
que eu dava enquanto juiz repercutia diretamente na vida das pessoas e de forma
quase que imediata.
Lembro
uma vez que julguei vários processos de aposentadoria, umas 30 sentenças de uma
vez só, e fui parado no mercado por uma senhorinha agradecendo a sentença dela
(:D).
Não que
isso não ocorra no MPF, mas sinto que a atuação na Justiça Federal é mais
difusa, para que a sociedade enquanto um todo seja melhorada (na visão de
combate à corrupção etc).
Quanto
ao trabalho, tenho muito (muito) menos processos em números. Lembro-me que, no
último mês em Colniza enquanto juiz estadual, eu tinha conclusos em gabinetes
quase 3.000 (três mil) processos. Isso sem contar os quase 8 mil no Cartório.
Atualmente,
creio que um valor absurdo para um procurador da República ter em autos
extrajudiciais é de 300 autos.
Daí vocês
pensam: ah, então a vida é moleza! Mas não é bem assim, minhas caras e meus
caros...
Apesar
de o número ter reduzido, eu sinceramente creio que trabalho quase que a mesma
carga horária que antes.
O que
antes eu tinha que fazer de audiências, hoje no MPF tenho de reuniões e audiências
juntas.
O
Judiciário tem poucas reuniões, enquanto que a atribuição do MPF, em especial a
extrajudicial, faz com que ouçamos ONGs, comunidades tradicionais, grupos de
direitos humanos, outros órgãos federais constantemente, pois precisamos estar
de ouvidos abertos para os problemas que ocorrem agora.
No
começo da magistratura, eu quase enlouqueci com o volume de processos a ser
julgado.
Lembro-me
que, nos primeiros meses, eu dormia muito mal e sonhava só com processos. A
cobrança da corregedoria era absurda e beirava o insano, pois desconheciam a
estrutura do gabinete e da própria vara. Ligavam até em meu celular pessoal,
acreditem...
Apesar
de ganhar bem, a minha qualidade de vida no começo era muito ruim, pois eu ainda
não conseguia manejar a minha vida pessoal com o trabalho.
Mas
há um aspecto importante a ser considerado: eu estava em uma comarca
extremamente longe da minha família (apesar de ser no mesmo estado, Colniza
fica a 17h de Cuiabá) e esse era meu primeiro cargo público com enormes
responsabilidades.
Já no
final, passados uns 8 meses desde quando assumi a comarca, eu creio que já
conseguia lidar bem com o dia-a-dia e a rotina de julgamentos e audiências.
Eram muitos, mas internalizei que eu também teria que ter um limite no
trabalho, senão voltaria a ficar ruim e sem minhas noites de sono.
Acredito
que esse choque me preparou para o MPF.
Atualmente
trabalho com vários casos que possuem uma repercussão estadual bem grande (olha
um aqui), há sempre uma pressão por alguns lados, mas ter sido juiz me fez ficar mais confortável
com essa rotina de trabalho.
Não acredito
na falácia que muitos falam que procurador
trabalha pouco, pois todos os que conheço estão assoberbados de trabalho,
sempre com alguma questão muito grave a ser resolvida.
Os ofícios
criminais que conheci (e o atual que estou substituindo) têm um volume muito
grande de rotatividade de processos.
Óbvio
que não tenho 3000 judiciais para analisar, mas todos os dias há alegações finais,
uma manifestação em processo criminal, um extrajudicial de investigação de um
crime grave.
Quanto
ao aspecto criminal, nesses meses de MPF vi os seguintes crimes: pedofilia
cometida pela internet (em dois processos houve cooperação internacional, sendo
um deles com o Canadá); crimes ambientais (artigo 50-A da Lei de Crimes
ambientais é o mais frequente); estelionato previdenciário; contrabando de
cigarros; corrupção por agentes políticos e crimes contra o sistema de
telecomunicações.
Os
ofícios criminais abrangem também questões de improbidade administrativa,
processos que também são muito recorrentes no dia-a-dia.
Como
exemplo da carga de trabalho, em junho analisei 142 processos judiciais e 72
autos extrajudiciais. Acho que julho superará isso, pois tô me sentindo mais
cansado e tendo trabalhado bem mais neste mês.
Pesquisei
a rotina da uma colega que está em fronteira, e ela analisou 212 autos
judiciais, 121 autos extrajudiciais e fez 23 (vinte e três!!!!) audiências, quase uma por dia, o
que é muito.
Hoje,
neste dia que escrevo este post, terei uma reunião sobre trabalho escravo, uns
5 autos extrajudiciais para analisar em razã0 da correição do MPF mês que vem e
uns 4 autos judiciais. Se eu deixar isso para amanhã, acaba por se avolumar
ainda mais na minha mesa.
Agora
chega de lenga-lenga e vamos aos pontos positivos: o trato do MPF com seus
membros.
Lembro-me
que, no curso de formação, tivemos aulas com expoentes do MPF: Janot, Douglas
Fischer, Luiza Frischeisen, Vitorelli, Lordelo etc. Então uma sensação que me
deu aqui no órgão foi: nossa, preciso chegar no nível desse pessoal, preciso
melhorar muito em muitas coisas.
Você
vê que o MPF incentiva muito que façamos cursos e sempre nos aprimoremos. Eu
acho isso muito interessante. Acredito que isso oxigena o órgão e faz com que
tenhamos posições vanguardistas.
Há
colegas que possuem uma estrutura de ser o único membro em uma PRM, além de ter
poucas pessoas em sua assessoria. Na unidade de Juína, somos eu e a Mari como
procuradores e, em meu ofício, tenho 2 assessores.
Bom,
acho que consegui fazer um plano geral de rotina, carreira e comparativos com a
minha experiência anterior.
Caso
tenham dúvidas, só deixar nos comentários.
Abracos!