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Refugiados, asilados e o "non refoulement".

Hey! :D

    Hoje vou escrever sobre um tema que gosto muito: Asilo e Refúgio.

   Primeiro, é necessário destacar que os Direitos Humanos possuem 3 eixos de proteção advindos do Direito Internacional Público: Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional Humanitário e Direito Internacional dos Refugiados. 

   Entre os eixos, há relações de complementariedade e especialidade, como leciona André de Carvalho Ramos.

Assim, iniciando pelo Direito Internacional dos Refugiados, temos o instituto do Refúgio.

Pelo dicionário, refúgio é o local para onde se escapa de um perigo. Essa noção já ajuda para depois o distinguirmos do asilo.

O refúgio, enquanto direito humano, é instituto jurídico que alberga (acolhe) pessoas que sofrem perseguições, em seu país em outro local, por motivos de RAÇA, RELIGIÃO, NACIONALIDADE, GRUPO SOCIAL ou OPINIÕES POLÍTICAS.

 Essa perseguição sofrida pela pessoa é tamanha que faz com que ela tema por sua segurança pessoal e, na maioria dos casos, peça o refúgio em outro país em que o conflito armado (não) internacional não esteja ocorrendo.

 O tema é regido pela Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, que você pode ver aqui.

  Na doutrina, menciona-se que o refugiado possui um estatuto pessoal. Mas o que seria isso? O estatuto pessoal são as regras mínimas que garantem ao refugiado, aonde quer que esteja, a sua dignidade humana. Logo, se vocês lerem a Convenção dos Refugiados, verão que ela garante direitos como propriedade, trabalho, assistência jurídica e a proibição do rechaço (o que é isso??? já explico adiante).

  No nosso âmbito interno, existe a Lei 9,474, de rápida e simples leitura. Ela tem vários importantes itens relacionados à situação dos refugiados no Brasil, bem como também menciona as causas que classificam a pessoa como refugiada e acrescenta:

            "Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

                III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país".


Nessa lei há importantes regras básicas como:
a) O refúgio é estendido a toda a família do solicitante;
b) Sujeição do refugiado a todos os direitos e deveres aplicáveis aos estrangeiros no Brasil;
c) O mero pedido de refúgio já suspende inquéritos, procedimentos, ações criminais e a deportação do solicitante, ainda que seu ingresso tenha sido irregular;
d) Com o pedido, é emitido uma autorização de residência provisória no Brasil;
e) O órgão que analisa os pedidos é o CONARE - Comitê Nacional para os refugiados;
f) Suspensão de processo de extradição do solicitante; e
g) a proibição do rechaço (já explico!!!).

Assim, pelos motivos acima, pergunto: os haitianos no Brasil são refugiados?
Não, em razão de que a causa que os motivou a vir ao Brasil é a catástrofe climática que acometeu o seu país. Ainda que não sejam refugiados, os haitianos recebem no Brasil o visto humanitário, outorgado pelo Conselho Nacional de Imigração.

Contudo, há alguns entendimentos de que como o direito ao meio ambiente ser um direito humano, haveria a possibilidade de se estender o refúgio às hipóteses de saída forçada por condições climáticas.

A importância atual do tema pela atual onda de migração no mundo, principalmente a questão envolvendo a Síria. 

Segundo estatísticas do ACNUR (Agência da ONU para refugiados), em 2014 o número de refugiados tão só por motivos de guerras ultrapassou a infeliz marca de 59,5 milhões de pessoas. Comparando-se com o ano de 2005, um acréscimo de mais de 22 milhões de pessoas. Veja-se:


   

Agora vamos ao asilo.

O asilo é instituto mais antigo que o refúgio e tem, ao final, a mesma finalidade: proteger determinada pessoa em um país diverso do da sua residência. Mas os motivos para a concessão do asilo são mais políticos, eis que a perseguição sofrida pela pessoa é por motivos de sua crença ou atos políticos.

Todavia, o asilo pode ser de dois tipos: diplomático – quando o requerente está em país estrangeiro e pede asilo à embaixada brasileira - ou territorial – quando o requerente está em território nacional e é uma faculdade dada pelo Estado. 

Ao contrário do refúgio, que, preenchidos os requisitos, torna-se direito do solicitante, o asilo é ato discricionário estatal (artigo II da Convenção sobre asilo diplomático, que você encontra aqui e a Convenção sobre asilo territorial você acha aqui)

Relembro que o asilo político está previsto já no artigo 4º da Constituição da República, caracterizando-se como princípio que rege a República nas suas relações internacionais.

Por fim, a proibição do rechaço ou proibição da devolução (também muito chamada pela doutrina em seu termo francês non refoulement), é um instituto que proíbe o Estado concedente do refúgio de devolver o solicitante ao país em que ele saiu (proibição direta) ou a outro país (indireta) em que a vida ou saúde da pessoa sejam colocadas em risco.

A Convenção dos Refugiados assim registra:

 "Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida 16 ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas" - artigo 33.

No mesmo sentido, a Lei 9.474:

"Art. 7º, § 1º Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política".


Enfim, são estas as diferenças e semelhanças de ambos os institutos. Ressalto que a Corte Interamericana, no caso Família Tineo Pacheco, julgou que a não devolução indireta também é direito humano, bem como possui alguns outros casos sobre o refúgio na América Latina.

Ah, relembro o recente Parecer Consultivo 21 sobre crianças migrantes na América Latina. Neste, a CIDH menciona que se deve dar prioridade, em razão do princípio do melhor interesse da criança, aos pedidos de refúgio em que, na família, há crianças e adolescentes.

É isso. Grande abraço a todos.



Comentários

  1. Que coincidência. Tava lendo hoje sobre esse assunto no info 571 do STJ no "dizer o direito" de onde se extrai que "a expulsão de estrangeiro que ostente a condição de refugiado não pode ocorrer sem a regular perda dessa condição." HC 333.902-DF
    Pra completar, agora acesso seu blog e vejo esse ótimo post que me ajudou a esclarecer alguns pontos e adentrar outros (a exemplo da parte inicial sobre doutrina de direitos humanos, meio ambiente, e a parte sobre o princípio do "non refoulement").
    Deu pra perceber a grande preocupação que existe com a observância desse princípio. Nesse sentido, aliás, o art. 33 da lei me chamou atenção(O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio).
    Muito interessante. Vlw

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  2. Hey, Valdecir! Sim, o princípio do non refoulement é super importante. Imagine se a Alemanha indefere o pedido dos refugiados sírios e os deporta justamente para a Síria? Violação absoluta do princípio e dos direitos dos refugiados.

    Eu gosto muito desse tema e acho que ele, pelos fatos atuais, está bem na moda (infelizmente).

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  3. Excelente texto sobre um assunto importantíssimo!!!

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  4. Sensacional. Desconhecia o seu bolg um colega de são paulo que me indicou, estudamos para PGR.
    Detalhe sou servidor do TJMT rsrsrs.
    Excelente Post.

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    1. Que legal, Leandro. Está lotado em que local? Em Cuiabá mesmo?

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    2. :D Precisa me chamar de dr não, tô ainda só estudando para o mestrado hehehehe

      Que legal, o que precisar aí nos seus estudos, só falar

      Abraço.

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  5. Conheci o site hoje! Simplesmente fantástico!
    Muito obrigado por compartilhar dicas e experiências!

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