quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Sentença condenatória em Júri



Segue, abaixo, a sentença proferida na Sessão de Julgamento do Júri a que me referi no post anterior.

P.s.: Não coloco "vistos etc" porque acho ilógico. Se o magistrado está sentenciando, decidindo ou despacho, é lógico (ou deveria ser) que ele vistou ou analisou o processo. Em uma sentença, para mim, colocar vistos é algo do tipo: "Óh, to sentenciando, mas prometo que vistei o processo antes, ok?"


SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ofereceu denúncia contra X, qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal combinado com a Lei 8.072.
Narra a denúncia, em síntese, que no dia 20 de outubro de 2014, na linha primeiro de maio, zona rural, KM 06, termos desta Comarca, o acusado, qualificado a fls. 28/29, utilizando-se de meio que dificultou a possibilidade de defesa da ofendida, com disparo de arma de fogo, matou a vítima X, causando as lesões descritas no Auto de Exame de Corpo de Delito de fls. 16, que foram causa suficiente de sua morte.
Após regular instrução criminal, em juízo de admissibilidade da culpa, decidiu-se pela pronúncia do réu, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, inciso IV, do Código Penal, com as implicações da Lei 8.072/1990. Em decorrência, hoje foi submetido a julgamento popular.
Considerando que o Conselho de Sentença, ao apreciar os quesitos que lhes foram postos para votação, reconheceu a materialidade e a autoria delitiva;
Considerando que o Conselho de Sentença não absolveu o acusado;
Considerando que o Conselho de Sentença, ao votar o 4º quesito, não reconheceu que o réu cometeu o crime impelido por motivo de relevante valor moral;
Considerando que o Conselho de Sentença reconheceu que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima;
Ante o exposto, CONDENO o réu X, qualificado nos autos, nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal.
Diante do princípio constitucional da individualização da pena e considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, passo a fixá-la, em acordo com o sistema trifásico do artigo 68 do Código Penal e amparado no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República, nos seguintes termos:

A culpabilidade do réu é neutra, eis que a relação doméstica com a ofendida e o cometimento de crime contra sua cônjuge são agravantes, que serão levadas em consideração na segunda fase de dosimetria penal, evitando-se, assim, o bis in idem.

Em relação à segunda circunstância judicial, o réu não possui registros de antecedentes criminais;

Quanto a sua personalidade, considero-a neutra, em razão de inexistir laudo psicológico nos autos;

Todavia, em relação à conduta social, reputo-a em seu benefício, eis que a maioria das testemunhas hoje ouvidas aduziu que ele querido na cidade. Saliento o relato de X, que mencionou ser ele um “bom pai”.

Quanto aos motivos do crime, tenho que não restaram devidamente comprovados nos autos, de forma que reputo tal circunstância neutra.

O comportamento da vítima influenciou no evento delituoso, pois, apesar de discutirem pela divisão de tarefas domésticas, é certo que há relatos, tanto das testemunhas quanto do próprio réu, de comportamentos extraconjugais recíprocos que, eventualmente, teriam desgastado a relação e o réu os tinha como inapropriados;

As circunstâncias do crime, meio que dificultou a defesa da ofendida, embora graves, foram reconhecidas pelo Conselho de Sentença como qualificadoras do tipo penal, de modo que sua valoração nesta fase da dosimetria da pena, configuraria “bis in idem”;

Quanto às consequências do crime, embora graves, já que uma vida humana foi ceifada, integram o próprio tipo penal. Todavia, verifico que a ofendida possuía, à época do crime, 19 (dezenove) anos de idade e era genitora de uma filha com o réu.

Assim, ante a pena prevista para o crime de homicídio qualificado, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, entendo necessário e suficiente estabelecer a pena-base em 12 (doze) anos de reclusão, em razão do fato de que há duas circunstâncias judiciais favoráveis ao réu (conduta social e comportamento da vítima) e tão só uma desfavorável (consequências do crime).

Na segunda fase da dosimetria penal, verifico inexistir circunstâncias atenuantes. Contudo, com fulcro no artigo 385 do Código de Processo Penal, verifico a presença de duas agravantes, quais sejam, a da alínea “e” (crime cometido contra cônjuge) e a da alínea “f” (crime contra a mulher na forma da Lei 11.340 –Lei Maria da Penha).
Em relação à primeira agravante, a pena-base se aumenta para o montante de 14 (quatorze) anos. No que tange à segunda agravante, esta pena se eleva para o importe de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses.

Na terceira fase, inexistem causas de diminuição, em razão da decisão do Conselho de Sentença, assim como não há causas de aumento.

Assim, fixo a pena em 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a qual torno definitiva à míngua de outras circunstâncias ou causas que possam interferir nesse cálculo.

DA DETRAÇÃO E DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA:

 

Em razão do que dispõe o artigo 387, §2º, do CPP, reconheço que o réu tem o direito à detração de 07 (sete) meses e 14 (quatorze) dias, uma vez que, segundo fl. 401, o réu está preso desde o dia 04 de maio de 2015.

Nos moldes do artigo 33, parágrafo segundo, alínea “a”, do Código Penal, estabeleço o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena.


Anoto, por oportuno, que o réu não faz jus ao início do cumprimento da pena em regime mais brando, consoante preceitua o artigo 1º, da Lei 12.736 de 2012 e do § 2º, do Artigo 376 do Código de Processo Penal.


Sobre a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade, deixo de realizar por ter sido condenado à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, pelo crime ter sido cometido com violência à pessoa e por ter sido o crime doloso, não tendo cumprido os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Ausentes os critérios objetivos e subjetivos para a suspensão condicional da pena, razão pela qual deixo de aplicar (art. 77, do CP).


DA NEGATIVA DE APELO EM LIBERDADE:

O delito perpetrado traz riscos à ordem pública, principalmente, pelo modus operandi com que o réu praticou o crime de homicídio, de forma que a sua liberdade causará a desestabilização social e contribuirá para o descrédito da Justiça.

Quanto à materialidade e indícios de autoria, desmerecem maiores digressões diante desta condenação, em que pese a recorribilidade desta sentença.

Tais razões impõe a segregação do réu para a garantia da ordem pública e restabelecimento da tranquilidade social, encontrando-se preso praticamente desde maio de 2015, não sendo coerente colocá-lo em liberdade neste momento processual, uma vez condenado à pena tão gravosa e que deve ser cumprida em regime inicial fechado, motivo pelo qual NEGO eventual apelo em liberdade.

Assim, por se manterem presentes os pressupostos que autorizaram a prisão cautelar, quais sejam fumus comissi delicti e periculum libertati, mantenho o réu preso, pois presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

DISPOSITIVO:

PELO EXPOSTO e considerando a vontade soberana do Conselho de Sentença, CONDENO o réu X, já qualificado nos autos, nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, com as implicações da Lei nº 8072/90, à pena privativa de liberdade de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial fechado.

DELIBERAÇÕES FINAIS:

Após o trânsito em julgado desta decisão, suspendo os direitos políticos do condenado, em conformidade ao art. 15, III da Constituição da República e artigo 71, §2º, do Código Eleitoral. Comunique-se ao Cartório Eleitoral e ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Condeno o réu ao pagamento de eventuais custas e despesas judiciais, em consonância com o artigo 804 do CPP.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do condenado no rol dos culpados.
Observem-se as demais orientações da Corregedoria de Justiça, pertinentes a esta condenação.

Registre-se, oportunamente.

Publicada no Tribunal Popular do Júri da Comarca de Colniza/MT, às vinte e duas (22) horas e vinte (20) minutos, no décimo oitavo dia do mês de dezembro 2015, saindo as partes intimadas para efeitos recursais.

Cumpra-se.



VINÍCIUS ALEXANDRE FORTES DE BARROS
Juiz de Direito Substituto Presidente do Tribunal do Júri

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A vida de juiz estadual.

Fiquei parado um bom tempo aqui no blog em razão de ter tomado posse em Colniza no dia 14 de dezembro. Aí é aquela loucura: mudança, ansiedade, o que trazer de livros e o que não trazer etc.

Para quem não sabe, Colniza fica no interior de MT, distando 1.110 km de Cuiabá (a capital). Eu tive que enfrentar um dia de estrada até Juína, dormir e pegar, no outro dia, mais de 6h de estrada de chão.

Colniza já foi eleita a cidade mais violenta do Brasil (matéria aqui), mas, sendo bem sincero, isso não me deu medo em nenhum momento. O que eu mais sentia que talvez seria uma barreira era a distância, não me preocupei muito com essa "violência".

Quando aqui cheguei, ainda bem que não fiquei preocupado antes à toa. Isso porque a cidade é muito tranquila (até demais no final de semana), nenhuma casa tem cerca elétrica e as mulheres e homens andam com correntes enormes de ouro (coisa muito difícil de ver em Cuiabá). As mortes que fizeram com que a cidade fosse eleita a mais violenta realmente ocorreram, mas foram em um período em que a cidade estava "a Deus dará". Hoje, com uma Polícia Civil e Militar fortes, um Judiciário e MP presente, parece-me que aquela realidade já se foi.

Para se ter uma noção, aluguei um apartamento que não possui garagem. Fiquei levemente preocupado em deixar meu carro na "rua", consistente em um afastamento da calçada, mas todos me disseram que é seguro e que não teria nenhum problema com isso.

Quanto à vida de juiz estadual: Acho que é um dos cargos que mais trabalham nesta República (mentira, é verdade, mentira, é verdade...).

Juiz estadual tem que fazer inspeção em Cadeia, Abrigo de Crianças, verificar mensalmente as prisões realizadas, desesperar quando, no meio de uma sentença, vem a gestora com um auto de prisão em flagrante que você tem que resolver logo, ser diretor do foro, administrar os funcionários e presidir o temido JÚRI hhahhaha. Vejo que os temas que mais aparecem aqui na comarca de Colniza são: previdenciário, ações civis públicas ambientais, infrações penais ambientais e demais de juizado, como danos morais.

Na  minha primeira semana, tive de enfrentar audiências das mais diversas e um júri logo de cara. Não vou falar que fiquei desesperado, porque nunca fiquei muito nervoso com coisas do trabalho, mas dá uma certa aflição você pensar que irá presidir os trabalhos de um júri. Contudo, como é um rito bem delineado no CPP, o júri foi bem tranquilo, tratei todos com educação e expliquei toda hora para a "plateia" o que estava ocorrendo. 

Acredito que o mais "tenso" de um júri é a leitura da condenação na frente do réu (este caso a sentença ficou em 16 anos e 04 meses) e de sua família. Aqui, na minha apertada sala de audiência, eu creio que tinham mais de 30 familiares do réu esperando a leitura da sentença. Alguns saíram chorando, pedi reforço policial, mas nada de anormal ocorreu.

Outra coisa que juiz estadual enfrenta são os temas previdenciários, uma vez que existe a competência delegada pela Constituição.

Para os que querem ser juiz estadual eu digo: vale todo o esforço! É muito trabalho? Sim, mas é recompensador. Você acaba se aproximando da sociedade, da mulher que chora na sua frente porque quer dizer ao marido preso que está grávida (isso ocorreu no meu segundo dia aqui), do pai do réu condenado no júri vindo em seu gabinete e agradecendo a sua forma de trabalhar etc.  

Claro que os demais cargos enfrentam situações humanas como essa, não me iludo com isso, só saliento que o juiz estadual, em uma comarca de pequeno porte, acaba por ser o "diretor" das questões mais importantes.

E uma coisa que os outros cargos não têm: o poder/dever/sofrimento/angústia/felicidade de decidir. É uma cruz decidir a prisão de alguém, a busca e apreensão na casa de alguém com base em indícios no dia de Natal, mas também é uma felicidade decidir o benefício previdenciário de alguém que esperou anos, de um processo que vai resolver a situação de fato mesmo, e não só a jurídica. 

Logo na primeira semana eu disse a alguns próximos a mim: Todo dia é uma crise existencial diferente. Todo dia é uma decisão a ser tomada que nunca tinha me surgido antes, o que pode vir a ser bom ou ruim. No dia do deferimento da busca e apreensão na casa de um senhor que supostamente portava uma arma, fiquei horas pensando nesse caso. Todavia, no outro dia, em que uma mãe precisava ser internada pelo vício de drogas, tive que decidir rápido e só depois pensar e refletir todas as consequências. 

Talvez esse seja o fardo maior do juiz.

Enfim, são os pequenos pontos que entendi importantes, por ora. Daqui para frente colocarei algumas sentenças.

P.s.: Daqui um tempo coloco a do Júri. 

Abraços a todos. :D