Pessoal, o post de hoje
foi ideia do meu colega Thiago Pivotto, uma das mentes brilhantes do concurso
do TJMT que, felizmente, pude conhecer e ser amigo.
O post será dividido em
duas partes. Na primeira, as considerações do Thiago. Após, eu faço as minhas do ótimo texto dele.
Thiago:
Antes de tudo, agradeço
o espaço oferecido pelo Colega Vinícius em seu blog (oferecido ou insistentemente solicitado por mim?). Aos leitores, saibam que, entre
os amigos de trabalho, o apelido do Vinícius é Barsa (vide aqui), então vocês já podem imaginar a
honra de participar deste espaço!
Gostaria de trazer à
reflexão um caso julgado pelo STJ em 13 de junho de 2016, especificamente pelo i. Min.
Rogério Schietti, que ganhou publicidade em 22/06/2016 a partir de notícia
veiculada no próprio sítio daquela Corte (aqui).
O pano de fundo é
singelo, mas traz a necessidade de uma reflexão não tão simples.
Consta na notícia que o
“réu, reincidente, foi condenado a 18 anos por roubos cometidos com violência.
Depois de cumprir as exigências objetivas previstas no artigo 83 do Código
Penal, conseguiu o livramento condicional. Atendendo a recurso do MP, o TJSP
cassou o benefício e determinou que o homem voltasse a ser preso.
O TJSP reconheceu que a gravidade dos crimes e o tamanho da pena, por si só, não seriam impedimentos ao benefício, mas considerou que 'a caminhada de todo condenado – do regime fechado à liberdade – deve ser efetuada por etapas'. Para a corte paulista, a prudência não recomenda que um preso em regime fechado passe diretamente para o aberto, menos ainda para o livramento condicional”.
O TJSP reconheceu que a gravidade dos crimes e o tamanho da pena, por si só, não seriam impedimentos ao benefício, mas considerou que 'a caminhada de todo condenado – do regime fechado à liberdade – deve ser efetuada por etapas'. Para a corte paulista, a prudência não recomenda que um preso em regime fechado passe diretamente para o aberto, menos ainda para o livramento condicional”.
O i. Ministro do STJ,
entretanto, entendeu diferente. Para afastar a argumentação do TJSP, houve a
invocação das Regras de Mandela, que são regras mínimas das Nações Unidas para
o Tratamento de Presos (vide aqui, no sentido de que a reabilitação
social e a reintegração das pessoas privadas de liberdade são um dos objetivos
do sistema de justiça criminal, conforme Regras 4 e 91 do documento. Aliado a
isso, o i. Ministro deixou claro, em sua Decisão, que não pôde “permanecer
insensível à situação daquele que, depois de anos segregado da vida em
sociedade, convivendo, por seus graves erros, com as mazelas do confinamento,
não apenas apresenta bom comportamento carcerário e condições subjetivas
reconhecidas em avaliações social e psicológica, mas, ao deixar provisoriamente os limites
impostos pelas grades e enfrentar as barreiras impostas para a superação dos
deslizes do passado, efetivamente reencontra sua dignidade no seio de sua
família e no emprego lícito, com registro em sua carteira de trabalho, buscando,
agora, a retidão em sua conduta” (meu grifo).
O caso em muito me
lembrou a figura da bagatela imprópria e o precedente que muitos consideram
como seu leading case,
em que um réu havia cometido crime de roubo com violência presumida e, dada a
demora excessiva no trâmite processual, quando de seu julgamento, o sujeito,
outrora viciado e autofinanciador de seu vício por intermédio da criminalidade,
curou-se, encontrou emprego, constituiu família e não mais reincidiu, passando
inclusive a promover palestras para viciados em entorpecentes, alertando sobre
seus malefícios.
Como apontei acima, o
pano de fundo é singelo, mas traz a necessidade de uma reflexão não tão
simples, que é justamente a força
normativa dos fatos na seara penal.
O tema – força
normativa dos fatos – não é inédito. Georg Jellinek, chega a afirmar que é algo
que permite compreender a origem e a existência da ordem jurídica, pois na vida
do Estado as relações reais precedem as normas em função delas produzidas – por
honra intelectual, vide o voto do i. Min. Eros Grau na ADI 2240.
A celeuma, entretanto, parece tangenciar muitos “vespeiros”: a superação da norma escrita diante da força do fato concreto superveniente; o malfadado ativismo judicial em sentido amplo; a ausência de parâmetros para a referida superação.
A celeuma, entretanto, parece tangenciar muitos “vespeiros”: a superação da norma escrita diante da força do fato concreto superveniente; o malfadado ativismo judicial em sentido amplo; a ausência de parâmetros para a referida superação.
Costuma-se dizer,
diante desses problemas, que o ônus é argumentativo. A argumentação que
legitima deve levar em consideração, também, a base de todo Sistema, sob pena
de, em sendo incongruente, instalar verdadeira erva daninha no piso estrutural
do Estado.
O post já está bastante extenso, por isso deixo a
sequência para o nosso amigo Barsa! Um abraço.
Vinícius:
Eu concordo que há muito subjetivismo na
utilização de determinadas argumentações que não possuem força cogente. No
mesmo sentido das Regras de Mandela, os princípios de Yogyakarta,
que foram também utilizados pelo Min. Celso de Mello no julgamento da ação
sobre direitos homoafetivos.
Como pode o intérprete se utilizar desses fatos e
superar a norma penal?
Semana passada tive um caso interessante. Um
recuperando no regime fechado já tinha praticado 3 (três) faltas graves quando
progredia ao regime semiaberto, de forma que a sua próxima progressão ao
semiaberto seria somente no ano de 2018.
Todavia, pelo enunciado 441 da súmula do STJ (a
falta grave não interrompe o livramento condicional), ele já teria direito ao
livramento condicional desde o ano de 2014 -só que ninguém se atentou a isso
antes...
Em minha mente, ao fazer a decisão de livramento
condicional, pensei tal qual o MP e o TJSP acima. Parecia-me incongruente.
Todavia, decidi por seguir a súmula e deixa-lo em livramento condicional.
Eu acredito, Thiago, que o ônus argumentativo em
si pode se tornar uma falácia, a depender de quem dele se utiliza. Muitas vezes
esse ônus argumentativo é reduzido a um mero indicar da norma cogente e
finda-se a argumentação.
No caso do STJ, talvez indicar as regras de Mandela possa parecer bonito ao final, mas ruinoso ao se ver que não houve uma argumentação a priori sobre como e de que modo elas podem ser utilizadas em prevalência de outras normas cogentes.
No caso do STJ, talvez indicar as regras de Mandela possa parecer bonito ao final, mas ruinoso ao se ver que não houve uma argumentação a priori sobre como e de que modo elas podem ser utilizadas em prevalência de outras normas cogentes.
No direito penal, acaso utilizarmos os fatos em
detrimento da norma, podemos deixar ainda mais lacunas em um sistema que foi
criado para as benditas prevenções da norma penal, tanto específicas quanto
gerais. Utilizar fatos para abrandar determinada norma penal, ainda mais em
Tribunais em que um simples precedente é transformado em jurisprudência, sem o devido
ônus argumentativo, pode enfraquecer a prevenção geral do Direito Penal.
Enfim, acredito que são essas as minhas
considerações. Não opto pelo reforço da prevenção geral do Direito Penal em
privilégio ao específico, mas acredito que ambos devem ser equilibrados, eis
que o sistema assim foi teoricamente elaborado.
Abraços a todos! Postem nos comentários as suas considerações.