Já aviso:
Hoje o post vai ser longo.
Demorei
para escrever aqui, pois fiz uma pesquisa empírica em Colniza e li muito a
respeito para poder escrever sobre esse assunto que acho essencial para quem
atua com processo penal: a prisão.
Melhor
explicando o que me motivou: Fiz entrevista pessoal e reservada com os 70
presos da Cadeia de Colniza. Verifiquei 10 casos que, em minha visão, a prisão
preventiva não tinha os seus requisitos, de forma que a revoguei e concedi a
liberdade provisória com algumas cautelares.
Todavia,
alguns casos ficaram em um linha bem tênue: O que pode ser chamado de
"garantia da ordem pública" ou de "aplicação da lei penal"?
Assim,
vou tentar explicar a prisão e suas modalidades, focando na prisão preventiva,
bem como registrar a "execução provisória" no Direito Penal. Mas
desde já advirto que não vou, nem pretendo, esgotar o tema, mas só nortear uma
visão mais crítica para os que estão estudando.
Simbora!
1. DA PRISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO.
Preceitua o
artigo 5º, inciso LXI, da Constituição da República, que “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”.
Dessa forma,
percebe-se que a regra, no ordenamento pátrio, é de que a prisão deve decorrer
de decisão de magistrado competente, devidamente motivada e reduzida a termo,
ou em decorrência de flagrante delito, seja por qualquer do povo ou por
autoridade policial. Já os incisos seguintes (LXII, LXIII, LXIV e LXV) do mesmo
artigo 5º regulam a maneira que deve ser formalizada a prisão.
Cumpre
acentuar o que prevê o Pacto San José da Costa, mais especificamente em seu
artigo 7º, item 2, que assim dispõe:
Artigo 7º – Direito à liberdade
pessoal
2. Ninguém pode ser privado de sua
liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas
constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas
promulgadas
A importância
do tratado se dá em função da atribuição dada pelo STF, no RE466343/SP, do
caráter supralegal da normas que versam sobre direitos humanos e que não foram
aprovados, pelo quórum de 3/5, no Congresso Nacional, conforme prevê o artigo
5º,§ 2º da CF/88.
Dito isso,
percebe-se que a prisão é exceção à regra, qual seja, a liberdade do indivíduo,
ficando, assim, a cargo da legislação infraconstitucional dispor acerca das
condições da aplicação do referido instituto, de modo a regulamentar os casos
em que a regra deva ser excepcionada.
Portanto,
cumpre destacar o que dispõe o Código de Processo Penal acerca do instituto da
prisão, código hierarquicamente inferior ao Pacto de San José.
O Código de
Processo Penal reafirmou o caráter excepcional da prisão, vez que basicamente
reproduziu o disposto na Carta Política de 88, pois elenca que a prisão será
decretada por autoridade judiciária competente, devidamente fundamentada, ou
ainda em detrimento de flagrante delito, conforme dispõe o artigo 283 do CPP.
Segundo
Pacelli e Fischer, existem cinco modalidades de prisão cautelar no Brasil:
prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão decorrente de
pronúncia e prisão de sentença condenatória.
Mas essas
duas últimas são também cautelares? SIM! Eis que visam a assegurar o resultado
de um ato judicial, pois a fase executória do Direito Penal ainda não se
iniciou.
2. DA PRISÃO PREVENTIVA.
A prisão preventiva pode ser
autônoma (somente durante o processo) ou decorrente de conversão de uma
anterior prisão em flagrante.
Não vou aqui ficar repetindo os
artigos do CPP sobre a prisão preventiva.
O que quero é realizar uma análise
crítica dos seus requisitos.
Primeiro, para decretar a prisão
preventiva, o juiz tem que passar pelo artigo 282 do CPP, que menciona o
princípio da proporcionalidade no Processo Penal.
Assim, a prisão deve ser adequada e
necessária.
Mas adequada com o quê? Necessária
a quem ou a quê?
O próprio artigo já correlaciona a necessidade e adequação.
Adequado
será para a gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do
indiciado ou acusado.
Já a necessidade se atrela à aplicação da lei penal, investigação ou
para se evitar a prática de novas infrações penais.
Já nesse ponto, acredito que muitos
já linkaram o que disse acima sobre a necessidade
com os requisitos da prisão preventiva. Ora, se analisarmos o requisito da
“aplicação da lei penal”, a doutrina menciona que a chance de o acusado
praticar novas infrações penais já caracterizaria a possibilidade da
preventiva.
Para relembrar:
Requisitos Preventiva:
a)
Garantia da ordem pública;
b)
Aplicação da lei penal;
c)
Conveniência da instrução;
d)
Garantia da Ordem Econômica; e
e)
Magnitude da lesão causada, nos crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional –Lei 7.492
Vou me ater ao comentário dos três
primeiros requisitos.
É neles, por serem de amplitude
semântica indeterminada, que muitas prisões desnecessárias e inadequadas ocorrem.
A prisão de um réu acusado de furto de botijão é adequada para se garantir a
ordem pública? A de alguém que estava traficando trinta quilos de pasta base
também seria?
Depende.
Imaginemos o caso de o furto ter
sido cometido por alguém que, reiteradamente, comete furtos e roubos, sendo
este o seu décimo furto. Talvez a garantia da ordem pública não se encontre
presente, mas a aplicação da lei penal sim. Já o caso do traficante, tirando a
quantidade de drogas que lhe é desfavorável, imaginemos ser ele primário, com
moradia e emprego certos e não integrar organização criminosa. Assim,
certamente ele será beneficiado pelo tráfico privilegiado e, antevendo a sua
pena futura, ele nem mesmo será condenado ao regime fechado.
Assim, o que eu queria explicar nos
requisitos da prisão preventiva é o dever de análise em uma visão mais
abrangente, não só naquela ladainha de “cometeu crime tem que ficar preso”. A
prisão é exceção e tem que ser tratada como tal.
Logo, para se garantir a ordem pública, conceito mais abrangente do que os
demais, a doutrina menciona: clamor social, risco de reiteração criminosa,
gravidade concreta do crime etc.
Já Pacelli é totalmente contra o
clamor, eis que afirma:
“Não nos parece bastante para a
determinação da prisão aquilo que se convencionou denominar clamar público,
entendido como a repercussão midiática do crime, invariavelmente objeto de
leituras tendentes ao sensacionalismo retórico”.
Nos demais, eu vejo que a garantia
da ordem pública fica muito difícil de ser comprovada. Para mim, somente em
casos de gravidade concreta do crime pelo modo ou maneira ou circunstâncias da
execução, assim como risco de cometimento de novos crimes que seria possível
abalo à ordem pública.
Já a aplicação da lei penal seria adequada e necessária nos casos em que
há possibilidade concreta e efetiva de fuga do investigado.
Nesse campo, em especial em cidades
do interior, muitos réus trabalham em fazendas ou distantes do centro urbano.
Assim, o risco de que eles fujam é fundamento para a prisão preventiva?
NÃO! Por ser um risco e não uma
comprovação de efetiva fuga, a prisão não pode se tornar um modo de o
Judiciário conter a pessoa por temer que ela fuga, ainda mais pelo fato de o
aparato estatal não conseguir vigiá-la. A ineficiência estatal não pode dar azo
à prisão de alguém.
Por fim, a conveniência da
instrução penal é realmente um requisito perigoso. O próprio Pacelli critica
essa denominação, porque o juízo não é de conveniência, mas de necessidade.
Destarte, se o réu ameaça
testemunhas e implica risco concreto à instrução criminal, se destrói provas,
vê-se que a sua prisão será necessária à instrução, não apenas conveniente.
3. DA
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PENAL OU EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
A execução antecipada da pena é
permitida? A maioria da doutrina e julgados do STF dizia um sonoro NÃO.
Mas então por qual motivo, na fase
de execução, detrai-se todo o tempo que o réu ficou preso antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória?
Simples, pois o fundamento da
prisão se transmudou. Antes o que era cautelar se transformou em execução
definitiva e deve ser levada em contra para fins de detração.
Ocorre que, durante muito tempo, o
STF e STJ eram contra a antecipação da tutela penal.
O MPF vinha desenvolvendo a tese de
possibilidade de a fase executória começar após a sentença ser confirmada por
um tribunal, não sendo necessário esperar o trânsito em julgado de um recurso
extraordinário, por exemplo.
Já em seu livro, ainda em 2014,
Pacelli e Douglas Fischer (que são membros do MPF e o Fischer é examinador de
processo penal da banca do MPF) lecionavam:
“Pensamos que a previsão legal de
imposição de prisão antes do trânsito em julgado poderia autorizar uma
interpretação conforme (à Constituição), para o fim de, excepcionalmente,
aplicar-se a execução provisória, quando ausentes quaisquer dúvidas a respeito
da condenação e da impossibilidade concreta de sua modificação nas instâncias
extraordinárias”.
Em minha visão, ficaria difícil
aplicar a exceção da execução provisória nos recursos especial e
extraordinário, pois os Tribunais teriam que fazer um juízo único e
individualizado se o recurso interposto iria ou teria alguma chance de
modificar o acórdão confirmatório da sentença condenatória. Se os Tribunais
estavam atolados com o juízo de admissibilidade, imagine-se analisar caso a
caso se o recurso poderia mudar a condenação...
Todavia, o Supremo, em decisão
vanguardista (que desagradou muita gente), foi além ao que a doutrina acima
disse. O STF decidiu pela possibilidade de execução provisória da pena, sem
exceções.
Veja-se a ementa da decisão
proferida no HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016:
“A execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da
presunção de inocência”.
Quais são os embates que temos a
partir dessa decisão?
Simples: o momento do trânsito em
julgado da sentença condenatória e o fato de os recursos extraordinários lato sensu não possuírem efeito
suspensivo, a não ser que, em medida cautelar, seja tal efeito a eles conferido.
De um lado, o artigo 5º, inciso LVII,
da Constituição que garante que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. De outro, uma norma
processual que permite a execução provisória por dado recurso não possuir
efeito suspensivo.
Claro que tal visão vanguardista do
STF se amolda a um neopunitivismo penal, mas também se abarca na visão de que o
Direito Penal há de ser efetivo, para não virar mera retórica e os meios de autotutela
acabarem por se elevar diante do monopólio estatal.
O clamor social e a possível inefetividade penal embatem com o tecnicismo constitucional e, talvez, um rigorismo de interpretação garantista que podem fazer ruir a própria finalidade do Direito Penal.
Enfim, acredito que são essas só
algumas das particularidades da prisão e da sua possibilidade de execução
provisória. Entendo que não podemos simplesmente decorar o julgado do STF e repeti-lo
sem uma análise crítica.
É isso. Grande abraço a todos!
:D