terça-feira, 22 de novembro de 2016

Desaparecimento forçado.

Antes de publicar o post sobre "casos difíceis de direitos humanos", falarei sobre o desaparecimento forçado.

Como o nome indica, o instituto reflete a situação em que determinada pessoa é sequestrada ou de qualquer forma privada de sua liberdade contra a sua vontade e para o cumprimento de determinada finalidade ilícita.

O tema abrange vários ramos jurídicos, como direitos humanos, direito penal e direitos fundamentais.

No plano nacional, podemos ver que o desaparecimento forçado é tipificado ora como sequestro ora como ocultação de cadáver. Em minha análise, alguns casos envolvendo funcionários públicos podem até ser tipificados como abuso de autoridade.

O crime de sequestro é assim tipificado:

Seqüestro e cárcere privado
        Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
        Pena - reclusão, de um a três anos.
        § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
        I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;
        II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
        III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
        IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
        V – se o crime é praticado com fins libidinosos.
        § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
        Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Já o crime de ocultação de cadáver:

Destruição, subtração ou ocultação de cadáver
        Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
        Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Vejam que em nenhum dos tipos penais acima há algum elemento que envolva funcionários públicos ou terceiros que atuem em nome do Estado.

No plano internacional, o tema está presente na Convenção Internacional da ONU e na Interamericana sobre desaparecimento forçados.

Na Convenção da ONU (Decreto 8.767 - aqui), tem-se no artigo 2º:

"Para os efeitos desta Convenção, entende-se por “desaparecimento forçado” a prisão, a detenção, o seqüestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subseqüente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei".

Já na Convenção Interamericana sobre desaparecimento forçado (Decreto 8766 -aqui):

"Para os efeitos desta Convenção, entende-se por desaparecimento forçado a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes".

Vejam, pois, que o desaparecimento forçado, enquanto crime contra humanidade, tem como elemento a infração ser realizada por agentes do Estado ou por terceiros que atuam em nome do Estado (autorizados, apoiados ou com consentimento).

No Estatuto do Tribunal Penal Internacional, o desaparecimento forçado é classificado como crime contra  a humanidade e também delimitado:

Artigo 7o
Crimes contra a Humanidade
        1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
 i) Desaparecimento forçado de pessoas;
i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

Há um detalhe importante que diferencia o crime do TPI das Convenções internacionais: o Estatuto do TPI registra o elemento "organizações políticas" e o tipo só incide nos fatos cometidos em ataques sistemáticos contra população civil.

Mas por qual motivo esse tema é tão atual e tão importante?

Temos que lembrar que passamos por um período duro e infeliz de ditadura militar junto com nossos vizinhos latino-americanos. Assim, até hoje várias famílias não têm acesso a informações sobre o desaparecimento de seus familiares.

Porém, nã0 só nessa época que tivemos inúmeros desaparecimentos forçados. Devemos rememorar o Caso Amarildo (veja aqui) que, até hoje, não foi encontrado.

No Brasil, tivemos controvérsias sobre a aplicaçao do desaparecimento forçado em razão da condenação da República perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund, também chamado Guerrilha do Araguaia em novembro de 2010.

Nessa condenação (você a encontra aqui), a Corte Interamericana entendeu que: 

"3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma"

Logo, como forma de reparação a ser perseguida pelo Estado brasileiro, a Corte Interamericana determinou especificamente que:

"O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentença".

Mas você se atentou para a data em que a Corte condenou o Brasil? 

É que a condenação foi proferida em novembro de 2010. Mas, em abril de 2010, analisando a Lei da Anistia, o STF julgou de forma totalmente contrária ao decidido pela CIDH.

Na ADPF 153(leia aqui), decidiu-se que a Lei da Anistia não teria perdido a sua validade jurídica. Por conseguinte, inexistia o dever de condenação dos crimes cometidos durante a Ditadura.

Assim, existente um nítido conflito de jurisdição.

Para dar cumprimento à decisão da CIDH, o PSOL ajuizou a ADPF 320/DF. Seria uma hipótese em que o STF iria rever o seu posicionamento anterior.

Interessante é que a ADPF tem como objeto uma decisão judicial.

O PGR já forneceu o parecer (aqui). É importante ver que se consigna que inexiste conflito entre as decisões do STF e da CIDH, isso porque o STF exerce controle de constitucionalidade e a CIDH controle de convencionalidade. Portanto, se o Brasil se submeteu à jurisdição da CIDH, deve cumprir a sua decisão.

Mas como ficaria a decisão do STF? Neste caso, resolve-se pelo princípio pro homine, privilegiando-se a decisão que melhor abarque e proteja os direitos humanos.

Assim, é dever dos órgãos de persecução penal promover a investigação dos inúmeros desaparecimentos forçados ocorridos.

Uma dúvida que poderia surgir é quanto à prescrição desses crimes.

Nesses casos, verifica-se que são eles crimes permanentes. Destarte, pelo Código Penal, a prescrição ainda não se iniciou:

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência.

Assim, o MPF investigou e ajuizou denúncias em alguns casos de desaparecimento forçado. Um deles foi o caso Curió, cuja denúncia está aqui. A denúncia realizada foi, inclusive, elogiada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (notícia aqui).

O tema abrange a Justiça de Transição, que, segundo o Dicionário de Direitos Humanos da ESMPU (elaborado por Inês Soares aqui) é "conceituada como o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades".


Por fim, encontra-se na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 245/2011 (aqui), cujo objeto é inserir o tipo do desaparecimento forçado no Código Penal. Se aprovado, teria a seguinte redação:

Art. 1o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 149-A:
“Desaparecimento forçado de pessoa
Art. 149-A. Apreender, deter ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, ainda que legalmente, em nome do Estado ou de grupo armado ou paramilitar, ou com a autorização, apoio ou aquiescência destes, ocultando o fato ou negando informação sobre o paradeiro da pessoa privada de liberdade ou de seu cadáver, ou deixando a referida pessoa sem amparo legal por período superior a 48 (quarenta e oito) horas:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das penas correspondentes a outras infrações penais.
§ 1o Na mesma pena incorre quem ordena ou atua de qualquer forma para encobrir os atos definidos neste artigo ou mantém a pessoa desaparecida sob sua guarda, custódia ou vigilância.
§ 2o O crime perdura enquanto não for esclarecido o paradeiro da pessoa desaparecida ou de seu cadáver.
§ 3o A pena é aumentada de metade, se:
I – o desaparecimento durar mais de 30 (trinta) dias;
II – se a vítima for criança ou adolescente, portadora de necessidade especial, gestante ou tiver diminuída, por qualquer causa, sua capacidade de resistência.” 

Abraços! 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Posse MPF

Hey! Como justificativa de não ter postado nada nesta semana, digo que a minha posse no MPF será na segunda, dia 07/11. 

Após normalizar a vida e tudo o mais, prometo retornar com um post sobre casos difíceis de Direitos Humanos, que foi o segundo mais votado na Enquete anterior.

Abraços a todos! 

Ah, postarei aqui uma foto da posse para animar também. 

:D